Por Pe. Antônio Vieira
Na Festa dos Soldados. Ano de 1638. Estando na Bahia a Armada Real, com muita da primeira nobreza de ambas as coroas.
“Erat homo ex pharisaeis, Nocodemus nomine, princeps Judaeorum. Hic venit ad Jesum nocte, et dixit ei: Rabbi. Sicut Movses exaltavit serpentem in deserto, ita exaltari oportet Filium hominis.”
Vinte e sete dias faz hoje que com solenidade universal celebrou a Igreja Católica a festa da Santa Cruz. E como se para um mistério tão alto fosse pouco tempo um dia, e pouca celebridade uma festa, a torna hoje a celebrar com repetida veneração esta nossa Igreja.
Aquela solenidade primeira e universal, foi um devido reconhecimento e uma agradecida recordação das obrigações antigas, que a nenhuma outra memória, depois de Cristo, as deve o mundo maiores.
Estas são as daquele sagrado lenho, que foi a tábua em que do naufrágio de Adão se salvou o gênero humano, e o instrumento gloriosíssimo, com que o Filho de Deus feito homem obrou nossa redenção. E posto que na devida ponderação delas, pudéramos também empregar estes segundo dia, e muitos dias, e sempre ficar devendo, talvez se há de deixar o mais fino pelo mais útil. Bem fora que pudera mais com os homens a memória que a esperança; mas que melhor razão de não ser assim, que ter dito que bem fora? É esta uma fidalguia de corações que se acha em muito raros; e quem prega há de falar para todos.
Por esta causa, havendo de dizer hoje alguma coisa da sagrada Cruz, que sempre será muito pouco, deixo os benefícios passados, que lhe devemos agradecer, por tratar somente dos interesses presentes, que da virtude da mesma Cruz, ou de sua onipotência, podemos esperar.
O maior interesse, e a mais universal felicidade que hoje podia suceder a este Estado, se consultarmos os desejos e esperanças de todos, e ainda as desesperações de muitos, não há dúvida que é uma vitória última de nossos inimigos, e uma liberdade geral deste, ou cativeiro, ou opressão, que os livres e os cativos todos padecem.
Este é o maior interesse que podia ter o Brasil, e este havemos de descobrir hoje na Santa Cruz, cuido que com tanta ocasião no Evangelho como no desejo. A graça não temos que ir longe a buscá-la, porque na Cruz temos cinco fontes delas, e ao pé da Cruz em pé a soberana Intercessora, que no-la alcance. Ave Maria.
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