São Francisco de Sales
O casamento é um grande
sacramento, eu digo em Jesus Cristo e na sua Igreja é honroso para todos, em
todos, e em tudo, isto é, em todas as suas partes. Para todos: porque as
próprias virgens o devem honrar com humildade. Em todos: porque é tão santo
entre os pobres como é entre os ricos. Em tudo: porque a sua origem, o seu fim,
as suas vantagens, a sua forma e matéria são santas. É o viveiro do
Cristianismo, que enche a terra de fiéis, para tornar completo no céu o número
dos eleitos: de sorte que a conservação do bem do casamento é sobremaneira útil
para a república; porque é a raiz e o manancial de todos os seus arroios.
Prouvera
a Deus que o seu Filho muito amado fosse chamado para todas as bodas como o foi
para a de Caná; nunca faltaria lá o vinho das consolações e das bênçãos; porque
se não as há senão um pouco ao princípio, é porque, em vez de Nosso Senhor, se
fez vir a elas Adônis e, em lugar de Nossa Senhora, se faz vir a Vênus. Quem
quer ter cordeirinhos bonitos e malhados, como Jacó, precisa como ele de
apresentar às ovelhas quando se juntam para conceber umas lindas varinhas de
diversas cores; e quem quer ser bem-sucedido no casamento, deveria em suas
bodas representar a si mesmo a santidade e dignidade deste Sacramento; mas em
lugar disso dão-se aí mil abusos e excessos em passatempos, festins e palavras.
Não é pois de admirar que os efeitos sejam desordenados.
Exorto sobretudo aos
casados ao amor recíproco que o Espírito Santo tanto lhes recomenda na Sagrada
Escritura: ó casados não se deve dizer: amai-vos um ao outro com o amor
natural, porque os casais de rolas fazem isto muito bem. nem se deve dizer:
amai-vos com amor humano, porque também os pagãos praticaram esse amor; mas
digo-vos encostado ao grande Apóstolo: Maridos, amai as vossas mulheres, como
Jesus Cristo ama a Igreja; ó mulheres, amai vossos maridos, como a Igreja ama o
seu Salvador. Foi Deus quem levou Eva a nosso primeiro pai Adão, e lha deu por
mulher; foi também Deus, meus amigos, que com sua mão invisível fez o nó do
sagrado laço do vosso matrimônio, e que vos deu uns aos outros: por que não
haveis então de amar-vos com amor todo santo, todo sagrado, todo divino?
O
primeiro efeito deste amor é a união indissolúvel dos vossos corações. Se se
grudam duas peças de pinho, uma vez que a cola seja fina, a união fica tão
forte, que será mais fácil quebrar as peças noutros sítios do que no sítio da
junção; mas Deus junta o marido e a mulher em seu próprio sangue: e por isso é
que esta união é tão forte que antes se deve separar a alma do corpo de um e de
outro do que separar-se o marido da mulher. Ora esta união não se entende
principalmente do corpo, mas sim do coração do afeto e do amor.
O
segundo efeito deste amor deve ser a fidelidade inviolável de um ao outro:
antigamente gravavam-se os selos nos anéis que se traziam nos dedos, como a
própria santa Escritura testifica. Aqui está o segredo da cerimônia que se faz
nas bodas: a Igreja pela mão do sacerdote benze um anel, e dando-o
primeiramente ao homem, dá a entender que sela e cerra seu coração por este
Sacramento, para que nunca mais nem o nome, nem o amor de qualquer outra mulher
possa nesse coração entrar, enquanto viver aquela que lhe foi dada: depois o
esposo mete o anel na mão da própria esposa, para que ela reciprocamente saiba
que nunca o seu coração deve conceber afeto por qualquer outro homem, enquanto
viver sobre a terra aquele, que Nosso Senhor acaba de lhe dar.
O
terceiro fruto do casamento é a geração e a legítima criação e educação dos
filhos. Grande honra é esta para vós, ó casados, que Deus, querendo multiplicar
as almas que possam bendizel’O e louvá-l’O por toda a eternidade, vos torna
cooperadores de obra tão digna, por meio da produção dos corpos, em que Ele
reparte, como gotas celestes, as almas, criando-as e infundindo-as nos corpos.
Conservai
pois, ó maridos, um terno, constante e cordial amor a vossas mulheres: por isto
foi a mulher tirada do lado mais chegado ao coração do primeiro homem, para que
fosse amada por ele cordial e ternamente. As fraquezas e enfermidades de vossas
mulheres, quer do corpo, quer do espírito, não devem provocar-vos a nenhuma
espécie de desdém, mas antes a uma doce e amorosa compaixão, pois Deus criou-as
assim para que dependendo de vós, vos honrem e vos respeitem mais, e de tal
modo as tenhais por companheiras que contudo sejais os chefes e superiores. E
vós, ó mulheres, amai ternamente, cordialmente, mas com um amor respeitoso e
cheio de reverência, os maridos que Deus vos deu: porque realmente por isso os
criou Deus de um sexo mais vigoroso e predominante, e quis que a mulher fosse
uma dependência do homem, e osso dos seus ossos, e carne da sua carne, e que
ela fosse produzida por uma costela deste, tirada debaixo dos seus braços, para
mostrar que ela deve estar debaixo da mão e governo do marido; e toda a
Escritura Santa vos recomenda severamente esta sujeição, que aliás a mesma
Escritura vos faz doce e suave, não somente querendo que vos acomodeis a ela
com amor, mas ordenando a vossos maridos que a exerçam com grande afeto,
ternura e suavidade.
Maridos,
diz São Pedro, portai-vos discretamente com vossas mulheres como com um vaso
mais frágil, honrando-as. Mas assim como vos exorto a afervorar cada vez mais
este recíproco amor que vos deveis, estai alerta para que não se converta em
nenhuma espécie de ciúme: porque acontece muitas vezes que, como o verme se
cria na maçã mais delicada e madura, também o ciúme nasce no amor mais ardente
e afetuoso dos casados, cja substância aliás estraga e corrompe; porque pouco a
pouco acarreta os desgostos, desavenças e divórcios. Por certo que o ciúme
nunca chega aonde a amizade está de parte a parte fundada na verdadeira
virtude: e eis a razão por que ela é um sinal indubitável de um amor sensual,
grosseiro, e que se dirigiu a objeto em que encontrou uma virtude defeituosa,
inconstante e exposta a desconfianças. É pois uma pretensão tola querer dar a
entender com os zelos a grandeza amizade: porque o sinal na verdade é um sinal
da magnitude e corpulência da amizade, mas não da sua bondade, pureza e
perfeição; pois que a perfeição da amizade pressupõe a firmeza da virtude da
coisa que se ama, e o ciúme pressupõe a incerteza.
Se
quereis, maridos, que as vossas mulheres vos sejam fiéis, ensinai-lhes a lição
com o vosso exemplo: Com que cara, diz S. Gregório Nazianzeno, quereis exigir
honestidade de vossas mulheres, se vós próprios viveis na desonestidade? Como
lhes pedis o que não lhes dais? Quereis que elas sejam castas? Vivei castamente
com elas, e, como diz São Paulo, saiba cada um possuir o seu vaso em
santificação. Mas, se pelo contrário vós mesmos lhes ensinais as dissoluções,
não é de admirar que sofrais a desonra da sua perda.
Mas
vós, ó mulheres, cuja honra está inseparavelmente aliada com a pureza e
honestidade, conservai zelosamente a vossa glória, e não permitais que nenhuma
espécie de dissolução empane a brancura da vossa reputação. Temei toda a sorte
de ataques, por pequenos que sejam: nunca permitais que andem em volta de vós
os galanteios. Todo aquele que vem elogiar a vossa formosura e a vossa graça
deve ser-vos suspeito. Porque quem gaba uma mercadoria que não pode comprar,
ordinariamente é muito tentado a roubá-la. Mas se ao vosso encômio alguém adicionar
o desprezo de vosso marido, ofende-vos sobremaneira, porque a coisa é clara,
que não somente quer perder-vos, mas já vos tem na conta de meio perdida, pois
que metade do contrato é feito com o segundo comprador, quando se está
desgostoso do primeiro. As senhoras, tanto antigas como modernas,
acostumaram-se a levar pendentes das orelhas muitas pérolas, pelo prazer, diz
Plínio, que têm em as ouvir tilintar e chocalhar, tocando umas nas outras. Mas
quanto a mim, que sei que o grande amigo de Deus, Isaac, enviou à casta Rebeca
pendentes de orelhas como os primeiros penhores do seu amor: eu creio que este
ornamento místico significa que a primeira coisa que um marido deve ter de uma
mulher, e que a mulher lhe deve fielmente guardar, é a orelha, para que nenhuma
linguagem ou ruído possa aí entrar, senão o doce e amigável gorjeio das
palavras castas e pudicas, que são as pérolas orientais do Evangelho. Porque é
preciso lembrar-se sempre de que as almas se envenenam pelo ouvido, como o
corpo pela boca.
S. Paulo disse que o
homem infiel é santificado pela mulher fiel e a mulher infiel pelo homem fiel,
porque nesta estreita aliança do casamento um pode facilmente puxar o outro à
virtude. Mas que grande benção há quando o homem e a mulher fiéis se santificam
um ao outro num verdadeiro temor de Deus! Além disso, hão de ter tanta
condescendência um com o outro, que nunca se aborreçam e irritem ambos ao mesmo
tempo e de repente, para que entre eles não se note dissensão nem disputa. As
abelhas não podem estar em lugar onde se ouvem ecos e estrondos, e onde soa a
voz repetida: nem o Espírito Santo pode demorar numa casa onde há disputas,
réplicas e repetição de vozes e altercações. S. Gregório Nazianzeno diz que no
seu tempo os casados faziam festa no anivesário dos seus casamentos. E eu por
certo aprovaria que se introduzisse este costume, contanto que não fosse com
aparatos de diversões mundanas e sensuais, mas que os maridos e mulheres,
tendo-se confessado e comungado nesse dia, recomendassem a Deus, mais
fervorosamente que de costume, o progresso do seu matrimônio, renovando os bons
propósitos de o santificar cada vez mais por uma recíproca amizade e
fidelidade, e cobrando alento em Nosso Senhor, para arcar com os encargos da
sua vocação.
O amor e a fidelidade
juntos trazem sempre consigo a familiaridade e confiança; é por isso que os
Santos e as Santas usaram de muitas carícias recíprocas em seu matrimônio,
carícias verdadeiramente amorosas, mas castas; ternas, mas sinceras. Assim
Isaac e Rebeca, o casal mais casto dos casados do tempo antigo, foram vistos à
janela a acariciar-se de tal sorte que, embora nada nisso houvesse de
desonesto, Abimelec conheceu bem que eles não podiam ser senão marido e mulher.
O grande São Luís, tão rigoroso com a sua carne, como terno amor a sua mulher,
foi quase censurado de ser pródigo em tais carícias: embora na verdade antes
merecesse encômio por saber despojar-se do seu espírito marcial e corajoso para
praticar estas ligeiras obrigações necessárias para a conservação do amor
conjugal; porque ainda que estas pequenas mortificações de pura e franca
amizade não prendam os corações, contudo aproximam-nos, e servem de agradável
isca para a mútua conversação.
Santa Mônica, estando
grávida do grande Santo Agostinho, consagrou-o com repetidos oferecimentos à
Religião cristã, e ao serviço da glória de Deus, como ele próprio testifica,
dizendo: que já no ventre de sua mãe tinha provado o sal de Deus. É um grande
ensinamento para as mulheres cristãs oferecer à divina Majestade o fruto de
seus ventres, mesmo antes que deles tenham saído: porque Deus, que aceita as
oblações de um coração humilde e bem formado, ordinariamente favorece os bons
desejos das mães nessa circunstância: sejam disso testemunhas Samuel, S. Tomás de
Aquino, S. André de Fiesole, e muitos outros. A mãe de S. Bernardo, digna mãe
dum tal filho, tomando seus filhos e filhas nos braços apenas nasciam,
oferecia-os a Jesus Cristo; e desde logo os amava com respeito como coisa
sagrada, e que Deus lhe tinha confiado: o que lhe deu tão feliz resultado, que
todos os seus sete filhos foram muito santos. Mas uma vez vindos os filhos ao
mundo, e começando a ter uso da razão, devem os pais e mães ter um grande
cuidado de lhes imprimir o temor de Deus no coração. A boa rainha Branca
desempenhou fervorosamente este encargo com o rei S. Luís, seu filho, porque
lhe dizia a cada passo: Antes quero, meu caro filho, ver-te cair morto na minha
presença do que ver-te cometer um só pecado mortal. O que ficou de tal modo gravado
na alma deste santo filho, que, como ele próprio contava, não houve dia da sua
vida em que disso se não lembrasse, esforçando-se o quanto lhe era possível por
observar à risca esta santa doutrina. Na nossa linguagem chamamos casas às
linhagens e gerações; e os próprios hebreus chamam a geração dos filhos
edificação de casa. Porque foi neste sentido que se disse que Deus edificou
casas para as parteiras do Egito. Ora é para mostrar que não é fazer uma boa
casa provê-la de muitos bens mundanos: mas educar bem os filhos no temor de
Deus e na virtude. Nisto não devemos esquivar-nos a penas nem trabalhos, pois
os filhos são a coroa do pai e da mãe. Assim, Santa Mônica combateu com tanto
fervor e constância as más inclinações de Santo Agostinho que, tendo-o seguido
por mar e por terra, o tornou mais felizmente filho de suas lágrimas, pela
conversão da sua alma, do que o tinha sido do sangue pela geração do seu corpo.
S. Paulo deixa como
incumbência às mulheres o governo da casa; e por isso muitos seguem esta verdadeira
opinião que a sua devoção é mais frutuosa para a família que a dos maridos,
que, não tendo uma residência tão continuada entre os domésticos, não pode, por
conseguinte encaminhá-los tão facilmente para a virtude. Segundo esta
consideração Salomão nos seus provérbios faz depender a felicidade de toda a
sua casa do cuidado e esmero da mulher forte que descreve.
Diz-se no Gênesis que
Isaac, vendo a esterilidade de sua esposa Rebeca, rogou ao Senhor por ela: ou
segundo o texto hebraico, rogou ao Senhor em frente dela, porque um orava de um
lado do oratório e outro do outro lado; e a oração do marido feita deste modo
foi ouvida. A maior e mais frutuosa união do marido e da mulher é a que se faz
na devoção, à qual se devem excitar à perseverança um ao outro. Frutos há, como
o marmelo, que, pela aspereza do seu suco, não são agradáveis senão postos em
conserva. Há outros que, pela sua brandura e delicadeza, não se podem conservar
senão também postos em doce, como as cerejas e os damascos: assim as mulheres
hão de desejar que os seus maridos estejam em conserva no açúcar da devoção.
Porque o homem sem devoção é um animal severo, áspero e duro; e os maridos
devem desejar que as suas mulheres sejam devotas; porque sem a devoção, a
mulher é em extremo frágil e sujeita a cair ou embaciar a sua virtude.
Fonte: Filotéia ou Introdução à Vida Devota –
S. Francisco de Sales, Parte III, cap. 38.
Nenhum comentário:
Postar um comentário