quarta-feira, 28 de março de 2012

O dever da desobediência

Prezados Amigos,

Salve Maria!

Desde aquele fatídico dia em que fomos surpreendidos pela proibição, verbal, da celebração da Missa no rito Tridentino na cidade de Betim, anda correndo um boato entre os padres das foranias que compõe a cidade e por meio deles aos fiéis que seremos excomungados. Corre “à boca pequena” que todos os que têm qualquer contato conosco serão do mesmo modo excomungados.
Gostaríamos de saber o seguinte: seremos excomungados por desejar e pedir a Missa no Rito Tridentino? Acredito que não. Por que a Missa nesse rito é um direito dos fiéis tê-la conforme o Motu Proprio Sumorum Pontificum do Papa Bento XVI em 07 de julho de 2007 e da Instrução Universae Ecclesiae de 30 de abril de 2011.
Os padres de Betim que com certeza, por serem católicos, se submetem com filial obediência aos superiores, não ousariam ir contra a vontade do Santo Padre. Ou iriam? Como esses padres são zelosos pelo bem dos fiéis e preocupados com a salvação de suas almas fariam de tudo para lhes assegurar a celebração da Santa Missa no rito Tridentino, rito que santificou muitas almas e a Igreja. Ou não fariam isso?
Um segundo ponto, que os ditos padres poderiam alegar, é sobre uma suposta desobediência e desrespeito as autoridades constituídas. Sobre esse ponto sempre fomos bem claros que somos sim obedientes e submissos às autoridades desde que elas estejam em comunhão com Roma e de acordo com a Sagrada Tradição bimilenar da Igreja. Devemos por consciência, por Amor a Deus e a Igreja, desobedecer àqueles que fazem ou ensinam diferentemente do modo de fazer e ensinar que a Igreja, em seus 2000 anos sempre fez e ensinou.
Desobedecer parece ser um escândalo. Por isso colocamos um trecho do texto de Mons. Lefebvre sobre “O Dever da Desobediência”. 


O dever da desobediência
Fonte: FSSPX
“Tendo o Reitor do Seminário de Ecône, Padre Lorans, pedido que eu colaborasse na redação deste número da “Lettre aux Anciens”, pareceu-me útil relembrar o que escrevi em 20 de janeiro de 1978 sobre algumas objeções que nos fizeram, relativas à nossa atitude face aos problemas que a atual situação da Igreja levanta.
Uma das perguntas era: Como o senhor concebe a obediência ao Papa? Eis a resposta dada:
Os princípios que determinam a obediência são conhecidos e são tão conformes com a razão e com o senso comum, que podemos perguntar como é que pessoas inteligentes podem afirmar que “preferem enganar-se com o Papa do que estar na Verdade contra ele“.
Não é isso que nos ensinam a lei natural e o Magistério da Igreja.
A obediência supõe uma autoridade que dá uma ordem ou decreta uma lei. As autoridades humanas, mesmo sendo instituídas por Deus, apenas têm autoridade para atingir o fim determinado por Deus, e não para dele se desviarem. Quando uma autoridade usa o seu poder em oposição à lei pela qual esse poder lhe foi dado, não tem direito à obediência, e devemos desobedecer-lhe.
Essa necessidade de desobediência é aceita em relação ao pai de família que encoraja a filha a prostituir-se, ou em relação à autoridade civil que obriga os médicos a provocarem abortos e a matarem inocentes. Porém, a autoridade do Papa é aceita a qualquer preço, como se o Papa fosse infalível no seu governo e em todas as suas palavras. É desconhecer a história e ignorar o que é, na realidade, a infalibilidade.
Já São Paulo teve que dizer a São Pedro que ele “não andava direito segundo a verdade do Evangelho” (Gal. II,14). E o mesmo São Paulo encorajou os fiéis a não lhe obedecerem se lhe acontecesse pregar um Evangelho diferente daquele que lhes tinha ensinado anteriormente (Gal. I,8).
São Tomás, quando fala da correção fraterna, alude à resistência de São Paulo face a São Pedro, e comenta-a assim: “Resistir na cara e em público ultrapassa a medida da correção fraterna. São Paulo não o teria feito em relação a São Pedro se não fosse de algum modo o seu igual (…). No entanto, é preciso saber que, caso se tratasse de um perigo para a Fé, os superiores deveriam ser repreendidos pelos inferiores, mesmo publicamente. Isso ressalta da maneira e da razão de agir de São Paulo em relação a São Pedro, de quem era súdito, de tal forma, diz a glosa de Santo Agostinho, que ‘o próprio Chefe da Igreja mostrou aos superiores que, se por acaso lhes acontecesse abandonarem o reto caminho, aceitassem ser corrigidos pelos seus inferiores’” (S. Tomás., Sum. Theol. IIa-IIae, q. 33, art. 4, ad 2m).
O caso evocado por São Tomás não é ilusório pois aconteceu, por exemplo, em relação a João XXII. Esta Papa julgou poder afirmar que as almas dos eleitos só gozariam a visão beatífica depois do Juízo Final. Emitiu essa opinião pessoal em 1331 e, em 1332, pregou uma opinião semelhante sobre o castigo dos condenados. Queria impor essa opinião à Igreja por um decreto solene.
Mas as vivíssimas reações dos Dominicanos – principalmente os de Paris – e dos Franciscanos fizeram com que renunciasse a essa opinião em favor da tese tradicional, definida pelo seu sucessor Bento XII em 1336.
E eis o que diz o Papa Leão XIII na sua encíclica Libertas praestantissimum, de 20 de junho de 1888: “Suponhamos, pois, uma prescrição de um poder qualquer que estivesse em desacordo com os princípios da reta razão e com os interesses do bem público (e, com mais razão ainda, com os princípios da Fé): ela não teria nenhuma força de lei…” E, um pouco adiante: “Quando faltar o direito de mandar, ou quando a ordem for contrária à razão, à lei eterna, à autoridade de Deus, então é legítimo desobedecer – queremos dizer: aos homens – para obedecer a Deus.
Ora a nossa desobediência é provocada pela necessidade de conservar a Fé católica. As ordens que nos foram dadas exprimem claramente que o foram para nos obrigar à submissão sem reservas ao Concílio Vaticano II, às reformas pós-conciliares e às prescrições da Santa Sé, ou seja, a orientações e a atos que minam a nossa fé e destroem a Igreja, e a isso é impossível acedermos.
Colaborar na destruição da Igreja é atraiçoar a Igreja e Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ora, todos os teólogos dignos desse nome ensinam que, se o Papa pelos seus atos destrói a Igreja, não lhe podemos obedecer e deve ser repreendido, respeitosa mas publicamente. (Vitoria, Obras…, pp. 486-487; Suarez, De fide, disp. X, sec.VI, no. 16; São Roberto Bellarmino, De Rom. Pont., lib. II, c. 29; Cornelius a Lapide, Ad. Gal. 2, 11; etc.),
Os princípios da obediência à autoridade do Papa são os mesmos que os que ordenam as relações entre uma autoridade delegada e os seus súditos. Eles só não se aplicam à autoridade divina, que é sempre infalível e indefectível e, portanto, não supõe qualquer falha.
Na medida em que Deus comunicou a sua autoridade ao Papa, e na medida em que o Papa entende usar essa infalibilidade – cujo exercício implica em condições bem determinadas – não pode haver falha.
Mas fora desses casos, a autoridade do Papa é falível, e, por isso, os critérios que obrigam a desobediência aplicam-se aos seus atos. Não é, pois, inconcebível que haja um dever de desobediênciaem relação ao Papa.
A autoridade que lhe foi conferida foi-lhe conferida para fins determinados e, em definitivo, para glória da Santíssima Trindade, de Nosso Senhor Jesus Cristo, e para salvação das almas.
Tudo o que for realizado pelo Papa em oposição a esse fim não terá qualquer valor legal, nem qualquer direito à obediência e, mais ainda, obriga à desobediência para permanecer na obediência a Deus e na fidelidade à Igreja.
É o que acontece relativamente a tudo o que os últimos Papas ordenaram em nome da liberdade religiosa e do ecumenismo, desde o Concílio: todas as reformas feitas a esse respeito são desprovidas de qualquer direito e de qualquer obrigação. Os Papas usaram da sua autoridade contrariamente ao fim para o qual essa autoridade lhes foi dada. Têm, pois, direito à nossa desobediência.”

terça-feira, 27 de março de 2012

O tempo da Paixão

1. O significado deste tempo. Com o Domingo da Paixão (ontem), iniciamos a terceira fase da preparação para a Páscoa. A Igreja concentra toda a sua atenção no Senhor que padece, e O acompanha em seu caminho de dores, que, pelo ódio e pelas hostilidades dos judeus, conduz até o Calvário. Assistimos ao conflito entre o Salvador e os seus inimigos que Lhe recusam acolhimento. O ódio destes já não procura dissimular-se e, cada vez mais crescente, prorrompe em grosseiras injúrias contra Aquele que, qual bom Samaritano, vai curar-lhes as feridas e libertá-los da morte eterna. O Salvador, às injúrias que Lhe fazem, chamado-O de sedutor, blasfemo, possesso do demônio, responde com toda a calma. Ele bem sabe por que assim o fazem. É a vontade de seu Pai que Ele sofra por aqueles que assim O perseguem. Na realização de seus desígnios, os adversários do Cristo são apenas instrumentos de que Deus se utiliza para a execução de seus eternos decretos. Sobre o Madeiro da Cruz, Jesus alcança a vitória final.

2. Nossos sentimentos durante este Tempo. Embora Deus, Jesus Cristo sofreu todas as atrocidades das dores físicas e morais. A natureza humana padece, geme, procura a salvação. Neste sentido a Igreja compreende os Cânticos das Missas destes quinze dias. E nós, com toda a confiança que temos na vitória final, não deixamos de abismar-nos nas dores de nosso Salvador. Aumente em nós a dor por nossos pecados que Lhe custaram tantos padecimentos. Aumente em nós o amor por nosso Jesus que tanto sofreu por todos os homens!

3. Particularidades deste Tempo. Para bem demonstrar a sua compaixão pelo Esposo, a Igreja omite nestes dias todas as demonstrações de alegria. Não se diz o salmo Judica, ao pé do altar, nem o Gloria Patri. São veladas nas igrejas as imagens e os próprios Crucifixos, em sinal de tristeza. Desaparecem, quase por completo, nestes dias, as referências aos catecúmenos e às igrejas estacionais. A Igreja quer que nos concentremos o mais intensamente possível sobre a Paixão de Jesus e gravemos profundamente em nossas almas o Mistério de nossa Redenção.


In Missal Quotidiano, D. Beda Keckeisen, O.S.B., Tipografia Beneditina, LTDA, Bahia, junho de 1957.


Fonte: Blog do Angueth

sexta-feira, 23 de março de 2012

As dores de Maria

"Tão grande foi a dor da Ssma. Virgem, que,
distribuída por todos os homens,
ela bastaria para fazê-los morrer a todos,
na mesma hora".
(São Bernardino de Sena)


1- O fundamento destas dores
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1- O FUNDAMENTO DESTAS DORES


A maior prova de amor que podemos dar àqueles que amamos disse Nosso Senhor, é dar a vida por eles. Maria devia dar esta prova de amor para conosco, senão morrendo, ao menos sofrendo torturas capazes de dar mil vezes a morte.

Associada à obra redentora, Ela devia suportar o Seu peso e ter Seu Calvário, como Jesus tivera o Seu.

De fato, a obra da redenção é, antes de tudo, uma obra de expiação e de sacrifício, e poderíamos dizer: "uma obra de sangue". Pois, observa São Paulo. "sine sanguine non fit remissio", sem efusão de sangue não há perdão.

Além disso, tudo, neste drama, parece girar em torno de dois eixos: o amor e o sangue.

O amor irradia por toda parte, com uma intensidade toda divina e tudo se desenrola no seio de uma nuvem sombria e sangrenta, sem jamais poder sair dela. Jesus Redentor segue primeiro o caminho do sacrifício e da imolação. Desde o primeiro instante até ao último, o sofrimento em Sua vida é o elemento que domina todo o resto. Ele o acompanha a Belém, a Nazaré, ao Egito. E no decorrer do Seu ministério público, vemo-lO como semeado sobre todos os caminhos da Judéia, da Galiléia, da Samaria. E, em Jerusalém, teve o Seu apogeu, e no Calvário a Sua última coroação.

Todos aqueles que colaboraram na obra de Jesus, foram submetidos também ao sofrimento, na medida em que tiveram de auxiliar o Redentor e que quiseram ser-Lhe úteis.

Ora, dizem os santos padres, estava marcado nos desígnios de Deus que assim como um homem e uma mulher haviam perdido o gênero humano, também um outro homem e uma outra mulher deveriam reerguê-lo: o homem como redentor e a mulher como co-redentora.

Deste modo Maria Se encontra associada à grande restauração, em um grau de intimidade, que jamais criatura alguma possui. Mas, o mesmo decreto divino que A proclama "Mãe de Deus", proclamou-A também "Rainha das dores". Associada como era à grande obra de Seu Filho, Ela sofreu a conseqüência necessária, que foi a Sua participação nos sofrimentos de Jesus. A Sua qualidade de Mãe valeu o privilégio de aí entrar muito antes que todos os outros, e Ela devia ir assim até o último extremo que uma criatura possa atingir no sofrimento.

Tal foi o fundamento das dores de Maria. Aqueles que realizam juntos uma obra, devem ter em comum as Suas obrigações, como devem participar também dos seus benefícios. Maria estará na glória, quando tudo estiver realizado; mas, antes, Ela deve estar no sofrimento.

Por conseguinte, Maria teve que sofrer como Mãe do Verbo encarnado, porque, por este título, Ela deveria estar submetida à lei da redenção, que é uma lei de sofrimento. Ela tinha que ser associada à paixão, não como um instrumento insensível, mas para que os Seus sofrimentos se ajuntassem aos sofrimentos de Nosso Senhor, para a redenção dos homens.

Ora, a esta razão geral vêm juntar-se outros pontos de vista, que mostram quão conveniente era ser Maria a Mãe das dores. De fato, Deus devia fazer resultar, das dores de Maria, uma grande glória, pois Ele manifestava magnificamente, neste mistério, os Seus principais atributos.
(P.S.M. Ledoux: A mais aflita das mães)

Nada era mais capaz de pôr em relevo o poder de Deus do que o concurso eficaz que daria ao reerguimento de todo o homem sobrenatural, uma criatura que, na aparência, não tem de notável senão a sua fraqueza e impotência.

A sabedoria divina não se mostra aí menos admirável.

Ao lado do Homem novo que sofre para reparar os prazeres culpados do primeiro homem, felizes somos em saudar esta Virgem humilde, forte, imaculada, que sofre igualmente, que apaga a lembrança desoladora da Eva orgulhosa, a antiga vítima de Satanás.

Enfim, a caridade de Deus brilha aí com todo o seu esplendor. Ele nos dá, não só um pai, mas uma mãe, um amigo, um Salvador, que pelos Seus inexprimíveis sofrimentos, nos merece a felicidade eterna; mas também Ele nos dá uma Mãe que é tanto mais Mãe, quanto mais teve que sofrer para o ser e para nos adotar.

Não é ainda tudo.

Suponhamos um instante que Maria tivesse sido isenta destas dores; o Seu reconhecimento para com Deus não teria exigido, por assim dizer, que Ela os pedisse? Aliás, não tinha Ela recebido de Deus a Sua Conceição imaculada e a Sua maternidade divina, tão grande em si mesmas e fontes de tantos outros privilégios?

Portanto, as Suas dores extremas e os Seus martírios eram, evidentemente, a única moeda que Lhe permitia pagar a Sua dívida, segundo os atrativos do Seu coração.

Maria era Mãe perfeita de um Filho perfeito. Ela não podia, pois, repudiar esta lei do amor, a glória e a grandeza de todas as mães, que lhes impõe a participação nos sofrimentos de seus filhos, como também ao gozo das suas alegrias, inseparáveis deles em tudo, por toda parte e sempre.

Também, em virtude deste princípio tão verdadeiro e tão nobre, Maria devia sofrer com Jesus e como Jesus. Além disso, Maria, que Se tornara a Mãe da cabeça, tornava-Se também a Mãe dos membros da universalidade dos humanos. Mas podia Ela aceitar este título, todo de amor, sem provar pelas Suas grandes dores, que, de fato, Ela vinha imediatamente após o Seu filho, pelo amor que tinha a todos os homens, Seus filhos?...

Depois, Maria devia ser também nossa Mãe. E era preciso que nós pudéssemos ir a Ela, não só com confiança, mas também com diligência. E assim era preciso que A víssemos puríssima, verdadeiramente poderosa e soberanamente boa.

Não era bastante.

O mais poderoso atrativo para nós, neste vale de lágrimas, devia ser o vermos que Ela também havia chorado, que havia tido uma vida saturada de toda espécie de aflições, e o coração transpassado por mil gládios. Esta auréola, qual diadema que A estabelecia Rainha dos mártires e Mãe das dores, era como o motivo que determinaria sempre, de um modo triunfante, todos os corações, mesmo os mais endurecidos e os mais desconfiados, a irem lançar-se aos Seus pés, e a depositar nEla toda esperança, no meio das maiores provações e das mais profundas misérias.

Vemos, por todas estas razões, quanto as dores de Maria se harmonizam como a glória de Deus, com a própria honra de Maria e com o bem dos homens.

Que motivo de amar a esta terna Virgem!

Triturada pelas nossas iniquidades como o Seu divino Filho, saturada de amarguras e de angústias, demos-Lhe a consolação de verificar que ao menos não é em vão que Ela sofreu por nós, e, sobretudo, que nós A amamos e que a nenhuma outra amamos senão A ela, depois de Jesus.

E que amor, aliás, será bastante forte para contrabalançar tantas dores sofridas por amor?...

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria)

Conclusão



Após a consideração minunciosa das dores da angusta Virgem e das disposições que animaram a doce co-redentora, que nos resta ainda a dizer? Nada mais do que recolhermos estes raios esparsos e reunir todas estas dores num foco imenso, escrevendo nele a palavra "amor".

O amor é, de fato, o princípio, a base e coroação de todo este drama doloroso, como ele é a fonte e o princípio da bondade e da misericórdia da divina Mãe.

Por que Maria é tão poderosa e tão cheia de ternura para conosco?

- Porque Ela nos ama.

Por que Maria é tão transbordante de misericórdia para com os pobres pecadores?

- Porque Ela os ama.

Por que a divina Mãe consetiu entregar o Seu Filho aos algozes e à colera dos malfeitores, e condenou-Se a sofrer com Ele e por Ele?

- Por que Ela ama os homens e quer salvá-los.

Depois de cada dor de Maria, como depois de cada sofrimento de Jesus, pode-se exclamar: "Sic dilexit mundum. - É porque amaram o mundo".

A salvação do mundo! - Eis, com efeito, o termo de tudo.

Deus quis salvar o mundo, e quis salvá-lo pelo sofrimento. E, não contente de sofrer só, Ele associou Sua própria Mãe, à Sua obra redentora.

Podia Ele dar-nos uma prova maior do Seu amor?...

- Sofrer por outrem é sublime!

Mas fazer sofrer, para salvar um inimigo, àqueles que amamos mais terna, mais apaixonadamente, é divino!

E eis o que nosso Salvador não hesitou em fazer. Fixando-o o Seu olhar sobre esta criatura pura e ideal, que Ele amava mais do que todas as outras criaturas reunidas, Ele ousou dizer:

Ó minha Mãe, minha Bem-Amada, Minha privilegiada, eis a humanidade perdida, eu poderia salvá-la por uma simples palavra; mas quero que ela saiba que eu a amo, e, para mostrar-lho, morrerei por ela. E não o bastante!

Para mostrar-lhe toda a intensidade e toda a extensão de Meu amor, vou sacrificar aquela que mais amo depois de Minha divindade - Minha Mãe!

Vai, pois, ó Virgem benigna; que a dor te triture como uma vítima! Que as angústias te estreitem como um círculo de ferro! Vai, sofre, imola-Te comigo... vive e morre para a humanidade, e que, por este sinal, ela compreenda o amor que lhe tenho, pois permito que a Minha própria Mãe seja vítima para a sua salvação.

E foi visto tão grande espetáculo! - Uma Mãe imolando o Seu Filho e imolando-Se a Si mesma para a salvação dos Seus algozes.

"Deste modo, diz São Bernardo, Maria vive e não vive, morre e não pode morrer. Ela vive, porém morrendo; morre, mas conservando a vida; Ela morre e não pode morrer; tem uma vida mais penosa do que a morte".

Eis o que nos representa o Calvário. Eis como Maria se torna a nossa Mãe, e por que preço Ela adquire este título que devia proporcionar-Lhe tão pouca consolação. Ela deu à luz os pecadores entre angústias e dores. É preciso que o Seu título de Mãe dos homens Lhe custe o Filho. Ela não pode ser Mãe dos cristãos senão com a condição de dar à morte o seu Filho único.

Que dolorosa fecundidade!

Recordo-me aqui de São Paulino de Nola, que, falando de sua parenta, Santa Melânia, a quem de numerosa família nada mais restava que uma criancinha, traça a Sua dor por estas palavras:

"Ela estava com esta criança, sobrevivente infeliz de uma grande ruína, que, bem longe de a consolar, aguçava as suas dores, e parecia que lhe fora deixada para fazê-la lembrar-se do seu luto, antes que para reparar a sua perda".

Não vos parece que estas palavras foram ditas para representar as dores da divina Mãe?

"Mulher, diz Jesus, eis aí o vosso filho".

"Esta palavra, diz Bossuet, num arroubo de gênio, esta palavra mata-A e fecunda-A. Ela tira das Suas entranhas, com a espada e gládio, estes novos filhos, e entreabe-se o Seu coração com uma violência incrível, para aí entrar este amor de Mãe, que Ela deve ter a todos os fiéis.

Ó filhos de Maria, filhos de sangue e de dor, continua o eloquente prelado, podeis ouvir sem lágrimas nos olhos os males que causais à Vossa Mãe? Podeis esquecer os gemidos, entre os quais Ela vos deu à luz?

Gemitus matris tuae ne obliviscaris. - Não esqueças os gemidos de tua mãe.

Lembra-te dos lamentos de Maria, lembra-te das dores cruéis com que dilaceraste o Seu coração no Calvário; deixa-te comover pelos gemidos de uma Mãe. Ó pecador, qual é o teu pensamento?

Queres elevar uma outra cruz, para nela pregar Jesus Cristo?

Queres fazer com que Maria veja o Seu Filho crucificado ainda uma vez?

Queres coroar a Sua cabeça com espinhos, calcar aos pés, ante os Seus olhos, o Seu sangue do novo Testamento e, por um tão horrível espetáculo, reabrir ainda todas as feridas do Seu amor materno?

Praza a Deus que não sejamos tão desnaturados!
Deixemo-nos comover pelos gemidos de uma Mãe.

Meus filhos, diz ela, até agora nada tenho sofrido, tenho como nada todas as dores que Me afligiram na cruz. O golpe que me dais  por causa dos vossos pecados, eis o que me fere. Vejo morrer o Meu Filho querido, mas, como Ele sofre pelo vossa salvação, consenti em imolá-lO, eu mesma; deixai que eu traga este amargor com alegria.

Meus filhos, crede no Meu amor. Parece-me não ter sentido este martírio, quando o comparo às dores que me causa a vossa impenitência. Mas, quando vos vejo sacrificar as vossas almas ao furor de Satanás, quando vos vejo a perder o sangue de Meu Filho, tornando inútil a Sua graça, é então que me sinto mais vivamente tocada.

Eis, meus filhos, o que trespassa o coração; é isto que me arranca as entranhas".

(Bossuet: Sermão sobre a compaixão da santa Virgem)

O ódio ao pecado e o desejo de reparar as nossas faltas, por uma vida pura e cheia de amor, eis, de fato, qual deve ser a conclusão do estudo das dores de Maria.

Amar é tornar-se semelhante, tanto quanto possível, ao objeto de nossas afeições.

Maria é a pureza, é o amor!... Como Ela, sejamos puros, amemos e consolemos as Suas dores pela nossa fidelidade em corresponder à graça, para que as Suas lágrimas não se tornem inúteis, mas façam germinar em nossas almas uma seara de virtudes, um desabrochar de santidade!

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria)
 

Maria, Rainha dos mártires



De tudo o que acabamos de dizer resulta que Maria é, verdadeiramente, em toda a extensão da palavra, a "Rainha dos mártires".

Que mártir sofreu jamais dores semelhantes às Suas? Qual entre os nossos heróis é àquele em cujas torturas poderíamos verificar caracteres, imensidade e profundeza semelhante àqueles que são o fundo e que forma o complemento das dores de Maria?

É um sentimento admitido por todos os teólogos que uma dor suportada por amor de Deus é capaz de causar a morte e suficiente para constituir o martírio, mesmo que não ocasionasse a morte. É assim que São João Evangelista é reputado mártir, embora não tenha expirado na caldeira de óleo fervente, saindo dali mais forte do que antes.
(Brev. Rom. Dia 06 de maio)

Para merecer a auréola do martírio basta, pois, segundo Santo Tomás, que levemos a obediência até ao seu grau supremo, que é oferecer-se a si próprio à morte.
(Summ. 2.2 q. 124 a 3)

Ora, Maria, o fez em grau que ultrapassa a toda concepção humana.

"Se o Seu coração não caiu sob os golpes de um algoz, diz Santo Afonso, o Seu coração bendito foi trespassado pela dor que Ela sentiu da Paixão de Seu Filho, dor que bastava para Lhe dar mil vezes a morte. Daí devemos concluir que Maria não foi somente mártir em toda a força do termo, mas que o Seu martírio sobrepujava ainda a todos os outros" (S. Lig., Sermão sobre as Dores de Maria), visto ter sido ele mais longo, mais intenso e mais profundo.

Ó Virgem Maria, Vós bem podeis dizer com o salmista:

"A minha alma se desvaneceu na dor, e os meus anos decorreram nos gemidos", pois a dor Vos foi sempre presente, foi o Vosso pão cotidiano, Vos revestiu de todas as partes, penetrou-se e Vos consumiu inteiramente, Vosso martírio atinge o infinito, sois verdadeiramente a Rainha dos mártires.

Não repercutiu em Vosso coração a Paixão do vosso Jesus, que foi mais do que o Rei dos mártires? E Vós mesma não esperastes os dias da Paixão para entregar o Vosso coração às agonias mortais?...

Ainda jovem, aprendestes com os profetas a história antecipada dos sofrimentos do Vosso Jesus. E a partir desta primeira revelação, quantas lágrimas ardentes correram sobre as Vossas faces virginais!

E tornando-Vos Mãe de Deus, quem poderia exprimir os gládios que então Se cravaram em Vosso coração para trespassá-lo?

E, no entanto, nada mais eram que os pressentimentos da Paixão.

No dia em que ela se realizou, que martírio de sangue não produziu no Vosso coração, ó boa Mãe! Pois todas as circunstâncias da Paixão de Jesus, expirando em sofrimentos inauditos, reproduziram se dolorosamente em Vós, Sua Mãe.

Sim, Jesus foi o Rei dos mártires, e Vós, ó Maria, fostes a Rainha dos mártires.

Duas coisas elevaram o martírio de Maria acima dos tormentos de todos os mártires reunidos - o tempo e a intensidade.

O tempo, que mitiga as dores comuns, não aliviou as dores de Maria, mas, ao contrário, aumentou-as. De uma parte, Jesus aparecia a Sua santa Mãe cada vez mais belo e mais amável, à medida que crescia. E, de outra parte, o dia de Sua morte se aproximava sempre.

"Assim como a rosa cresce entre os espinhos, dizia o anjo a santa Brígida, assim também a Mãe de Deus progredia em anos, no meio das tribulações. E como os espinhos crescem ao mesmo tempo que a rosa, assim adiantou-Se em idade, Maria, esta rosa escolhida do Senhor, sentiu que os espinhos das Suas dores penetravam mais profundamente em Sua alma".

Segundo uma outra revelação a Santa Brígida, a Santíssima Virgem lhe diz que, mesmo depois da morte  e da ascensão de Seu Filho, Ela tinha a Paixão continuamente presente no Seu pensamento; e, quer tomando os Seus alimentos, quer trabalhando, o Seu coração amante estava ocupado nesta lembrança.

Quanto à intensidade, é como um abismo insondável.

"Se Deus não tivesse conservado a vida de Maria por um grande milagre, diz Santo Anselmo, a Sua dor teria sido suficiente para Lhe dar a morte a cada instante que Ela passava na terra".
(De excel. Virg. c.5)

Como é que os sofrimentos da humilde Virgem foram muito mais intensos que os de todos os mártires?... Eles o foram, sobretudo, de três modos;

Primeiramente, a alma sobrepuja o corpo, tanto quanto os sofrimentos da alma ultrapassam os do corpo.

Em certa ocasião, Nosso Senhor disse a Santa Catarina que entre as dores da alma e as do corpo não há comparação possível- Inter dolorem animae et corporis, nulla est comparatio.

Ora, foi no corpo que os mártires sofreram os golpes do ferro e do fogo. Maria, ao contrário, sofreu em Sua alma, segundo a profecia do santo velho Simeão.

O segundo modo, como o faz notar Santo Antonino (P. 4.t. 5. c. 24, par. I), consiste no fato de que o suplício dos mártires atinge à perda da própria vida; o da Santíssima Virgem consiste no sacrifício de uma vida que Lhe era muito mais cara do que a Sua própria vida - a vida de Seu Filho.

Deste modo Ela sofreu não somente em Sua alma tudo o que Jesus Cristo sofria em Seu corpo, mas a vista dos sofrimentos de Seu Filho afligiu mais o Seu coração que se Ela  mesma tivesse padecido todos eles.

"Jesus sofria nos Seus membros, e Maria no Seu coração", diz o bem-aventurado Amadeu - Ille carne, illa corde passa est (de laud. B. Virg. Hom 5), "de modo que, ajunta São Lourenço Justiniano, o coração de Mãe se tornou como o espelho das dores do Filho; os escarros, os golpes, as chagas, tudo o que Jesus sofria, vinha refletir-se nEla". - Passionis Christi speculum effectum erat cor Virginis; in illo agnoscebantur sputa, convicia, verbera, vulnera (De Trin. Chr. Ag. C. 21).

Dizem que os pais sentem mais vivamente os sofrimentos dos Seus filhos do que os seus sofrimentos pessoais. São Bernardo nos dá a razão disto:

"A alma está mais naqueles que ela ama do que naquele que ela anima" - Anima magis est ubi amat quam ubi animat.

Se isto é verdade, podemos dizer, portanto, que "Maria sofreu mais vendo as dores do Seu querido Jesus, do que se Ela mesma tivesse sofrido toda a Paixão". - Maria torquebatur magis quam si torqueretur in se; quoniam supra se incomparabiliter diligebat id unde dolebat.
(Se laud. B. Virg. Hom 5).

É a conclusão do bem-aventurado Amadeu. Enfim, um terceiro modo é que o martírio de Maria foi privado de toda consolação. Sem dúvida, os mártires sentiram vivamente os tormentos que lhes infligiam os tiranos, mas seu amor a Jesus lhes tornava doces e amáveis os seus sofrimentos.

Mais eles amavam a Jesus Cristo, menos sentiam os tormentos da morte; e a vista de um Deus crucificado bastava para os consolar. Mas que consolação hauria a Mãe de Jesus ante o espetáculo dos Seus sofrimentos, já que os próprios sofrimentos deste Filho querido eram o objeto da Sua aflição e o amor que Lhe tinha era o Seu único e mais cruel algoz?

Portanto, o martírio de Maria consistia precisamente na compaixão que Ela sentia à vista do seu Filho inocente e querido entregue a tão horrorosos suplícios. E, por conseguinte, mais Ela amava, mais amarga era a Sua dor, e mais se afastava toda consolação.

É o que se quer representar, quando apresentamos os santos mártires, cada qual com o seu instrumento de suplício: São Paulo, com a espada; Santo André com a cruz; São Lourenço, com a grelha...

Quanto à bem-aventurada Virgem, representamo-lA tendo em Seus braços o Seu divino Filho morto, porque só Jesus foi o instrumento do Seu martírio, em razão do amor que Ela Lhe consagrava.

Depois disso, figuramo-nos a Mãe de Deus de pé, junto à Cruz, na qual Jesus expira, dirigindo-nos estas palavras do profeta:

"Ó vós todos que passais por este caminho, considerai-me e vede se há dor semelhante à minha dor". - O vos omnes qui transitis per viam! attendite et videte se est dolor sicut dolor meus (Thren.I).

Vós que passais a vossa vida na terra, sem sequer lançardes um olhar de compaixão sobre a Vossa Mãe aflita, detende-Vos um instante para considerar-me e ver se entre todos aqueles que são presa da aflição e dos tormentos, há um só cuja dor seja  semelhante à minha.

"Não, ó Mãe desolada, responde-Lhe são Boaventura, não há dor mais cruel do que a Vossa, porque não há filho mais querido do que o Vosso". - Nullus dolor amarior, quia nulla proles carior
(Off. comp. B. Virg.).

Eis como o martírio da amável Virgem ultrapassou as dores de todos os mártires, pois Ela sofreu em Sua alma, enquanto os mártires sofreram no corpo. A Sua dor cresceu durante toda a Sua vida, enquanto que a dos mártires sofreram no corpo. A Sua dor cresceu durante toda a Sua vida, enquanto que a dos mártires tinha um termo muitas vezes limitado.

Enfim, Ela não teve consolação alguma.

Ó sim, ó Maria, Vós sois verdadeiramente Rainha dos mártires. Ninguém merece melhor a soberania sobre a dor do que Vós, que sofrestes como nunca sofreu criatura alguma.

E quais são os nossos deveres para com a nossa Mãe desolada?... Escutemos a própria Santíssima Virgem dizer a Santa Brígida:

"Minha filha, eu passo em revista todos os habitantes da terra, para ver se há entre eles quem pense em meu martírio e se comova ao vê-lo; mas eu encontro muito poucos. E tu, minha filha, não faças como o grande número, não te esqueças de mim, considera as minhas dores, e chora comigo tanto quanto o podes".

O próprio Nosso Senhor revelou à bem-aventurada Verônica de Binasco que, de certo modo, Ele se comprazia mais em ver-nos compadecidos das dores de Sua Mãe, do que dos Seus próprios sofrimentos.

Eis as Suas palavras:

"Minha filha, as lágrimas derramadas sobre a Minha Paixão são por mim amadas; mas, como amo com um amor imenso a minha Mãe Maria, é-me mais agradável a meditação das dores que Lhe causou a Minha morte".
(Boll, 13 jan.)

Acrescentemos que preciosos favores foram concedidos àqueles que meditam muitas vezes sobre as dores desta Mãe querida.

Em seu "Journal de Marie", Marchèse relata uma tradição antiga, que nos mostra São João Evangelista chorando a morte daquela que ele tomara por todo o seu bem. Para consolá-lo, e por ter ele velado sobre os últimos anos de Maria, Nosso Senhor dignou-Se aparecer-Lhe, em uma visão, acompanhado de Sua Mãe.

O santo ouviu Maria pedir ao Seu Filho que concedesse alguma graça particular àqueles que honram as Suas dores.

Jesus prometeu quatro principais, que são:

1- Aqueles que invocam a Mãe das dores merecerão fazer, antes da morte, uma penitência sincera dos Seus pecados.

2- O próprio Jesus os protege em suas tribulações, sobretudo na hora da morte.

3- Ele imprimirá neles a memória de Sua Paixão, e lhes dará a recompensa do Ceú.

4- Colocá-los-á nas mãos de Sua Mãe, a fim de que deles disponha segundo o seu parecer, e lhes alcance todas as graças que quiser.

Portanto, amenos, honremos e consolemos a amável e doce Rainha dos mártires.
Choremos com Ela na terra, a fim de termos a felicidade de um dia nos alegrarmos com Ela no Céu.

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria, continua com o último post: Conclusão)

Fonte: A grande guerra

As razões das dores de Maria



A vista das imensas dores desta Virgem tão compadecida, perguntamos imediatamente a nos mesmos como Deus permitiu que Ela fosse triturada a este ponto.

A questão merece seguramente uma resposta, pois Ela supõe o conhecimento dos sublimes desígnios de Deus sobre Maria, e nos ensina como é que devemos carregar as cruzes que a Providência coloca sobre nossos ombros, e mesmo desejar o sofrimento por amor de Deus.

Os sofrimentos de Maria não eram necessários, por necessidade absoluta, para operar a redenção do mundo, mas Deus quis que fossem necessários por necessidade de conveniência.

"O ódio da serpente infernal, diz São Crisóstomo, começara por Eva a perpetrar o desastre original; convinha, por conseguinte, que Maria, nova Eva, interviesse no ato da reparação, efetuado pelo novo Adão".
(S.J.Crys.: De interdict)

É o mar de Deus a Maria.

Pode o amor dar algo de melhor do que a si mesmo?...

Ora, em Jesus tudo era sofrimento. Maria deverá, portanto, assemelhar-Se ao Seu divino Filho, deverá participar das Suas dores, porque participa do Seu amor.

A lei que atinge a Jesus deverá envolver Maria. E esta lei, nós o sabemos, era uma lei de sacrifício e de expiação, em que a ignomínia e a abjeção deviam chegar quase ao aniquilamento. Maria teria sido um simples instrumento e não uma mãe, se Ela tivesse  sido separada de todas estas coisas.

O crescimento dos méritos da Santíssima Virgem foi mais uma razão dos Seus sofrimentos. E sobretudo nos sofrimentos que se acumulam os méritos. A qualidade de Mãe de Deus não teria sido uma razão suficiente para que Maria fosse elevada ao céu, sem a graça santificante que precedeu e seguiu esta dignidade da maternidade divina.

A elevação legítima de Maria devia depender  dos Seus méritos e os Seus méritos deviam ser adquiridos evidentemente por uma longa série de sofrimentos. (Cfr. Bourdaloue: Sermão sobre a Assunção)

Como avaliar então os arrebatamentos que atualmente enchem no céu a alma de nossa Mãe querida e nos quais Ela reconhece as recompensas especiais devidas a cada uma de Suas dores?...

E por prodigiosa que seja a grandeza da recompensa, Ela vê pormenorizadamente como correspondeu a cada um dos Seus sofrimentos em particular, e como esta recompensa nasceu dos Seus sofrimentos.

Setenta e dois anos de alegria estática jamais teriam, na ordem atual dos desígnios de Deus, elevado o Seu trono tão próximo do trono de Deus. (Jamar: Maria Mãe da dor)

Uma terceira razão das dores da Imaculada era a glória que Deus devia receber dEla.

A maior misericórdia de Deus para com as criaturas é o permitir-lhes contribuírem à Sua glória e fazê-lo de um modo inteligente e livre.

Mas quem melhor do que Maria se achava em condições de procurar esta glória? Ela que era tão próxima de Deus e tão vibrante de amor e de vida sobrenatural. Dela Deus pode receber mais glória não só do que de qualquer outra criatura, mas ainda do que de todas as criaturas reunidas, excetuando-se, evidentemente, a natureza de Jesus Cristo.

A Mãe de Jesus estava cumulada, sem dúvida, das graças poderosas que exigia uma correspondência tão maravilhosa à vontade divina, mas Ela nunca recebeu do Seu divino Filho dom algum, ao qual ligasse tanto apreço, como à Sua compaixão. Não! para ganhar o mundo, Ela não teria consentido em se privar da menor circunstância que pudesse agravar a Sua dor.

Portanto, foi Maria quem pagou, por assim dizer, a dívida que os santos tinham contraído com Jesus pela Sua paixão e que eles nunca podiam saldar.

Maria, ao pé da Cruz, era o mundo em adoração, pois nenhuma criatura adorava então a Jesus em Suas humilhações. Tudo se concentrava, pois, na pessoa desta Virgem das dores; Ela era como que o centro, o coração e a voz do mundo inteiro.

A quarta razão das dores de Maria é que Ela era mãe, e qual é a mãe que não sofre para com o seu filho?...

A mãe não é mãe por um título nobiliárquico, e, sobretudo, ela não pode ser "Consoladora dos aflitos", como Maria o deveria ser, por um simples decreto emanado da vontade. Poderia dar-se isto, mas Deus não o quis.

A sentença promulgada contra Eva: "Darás à luz na dor", é, ao mesmo tempo, uma lei e um mistério, uma condenação e uma profecia.

A partir deste momento a dor se torna uma condição inevitável para a mulher se tornar mãe, tanto na ordem natural, como na ordem da graça. A qualidade de mãe é inseparável da qualidade de mártir.

"Maria, ao pé da Cruz, diz São Bernardino de Sena, adquiriu o titulo de Mãe dos cristãos com o preço das mais incompreensíveis dores e, gerando-nos à graça, Ela sentiu, ao mesmo tempo, todas as dores suportadas pelas mães que comunicam a vida na natureza aos seus filhos. Maria sentiu-as todas ao mesmo tempo, gerando-nos à graça ou dando-nos à luz da graça, e deste modo, os seus sofrimentos igualaram os sofrimentos de todas as mães".

A razão por ele apresentada prova-nos que Maria tendo-nos gerado a todos para a salvação, teve que sofrer para casa um de nós em particular.

Uma quinta e última razão que entrevemos das dores da Virgem, é o desígnio de Deus em dar-nos Maria por modelo.

A dor caracteriza mais ou menos toda a vida humana e, encerrando em si os meios particulares de união com Deus, desarranja e perturba, mais do que qualquer outra coisa, as nossas relações com Ele.

cristãmente a dor é talvez a obra mais elevada e mais árdua que temos nós a realizar, e está em grande parte nos desígnios de Deus que a soma das dores que devemos suportar cresça com o grau de santidade que nos torna capazes de as suportar.

E, sob este ponto de vista, que horizonte luminoso se abre aos nossos olhos!...

A mais pura, a mais doce, a mais santa das criaturas nos aparece esmagada e triturada pela dor e nos ensina como devemos sofrer e como devemos galgar o Calvário da nossa vida.

Como é doce, nas horas de lassidão e de provação, apoiar a cabeça e o coração sobre o coração sanguinolento de Maria!

Como aí irradia levemente o amor, através das lágrimas e das angústias!

Como ele atrai e repousa o coração! Como ele nos pede sobretudo um pouco de reciprocidade de amor, a pequena chama de nosso coração para uni-la ao incêndio do coração da "Virgem das dores"!

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria, segue com o post: Maria, Rainha dos mártires)
 

A imensidade das dores de Maria



De boa vontade empregamos em nossa linguagem esta grande palavra "imensidade". Raramente ela é justificada pela soma ou pelo peso dos nossos sofrimentos. De fato qual é a dor humana, que em nada se possa atenuar, seja da parte da terra, onde temos e onde sabemos encontrar tantos refúgios, apoios e distrações, seja da parte do céu, tão poderoso para consolar-nos e sempre tão propenso a fazê-lo?

Mas, quando dizemos de Maria que a Sua dor é imensa, é absolutamente e terrivelmente verdade.

"Todos os rios correm ao mar, escreve o Sábio, e o mar nunca transborda".

Compreendei que estes rios são torrentes de angústias, e que este mar, em que tudo se precipita, e que Deus fez tão vasto para receber e conter tudo, é o coração da Virgem imaculada, e tereis aí uma imagem da imensidade da Sua desolação.

É ante o pensamento desta imensidade das dores de Maria que a Igreja exclama, com o profeta Jeremias:

"Ó vos todos que passais pelo caminho, considerai vede se há uma dor semelhante à minha dor! A quem vos hei de comparar, ó filha de Jerusalém? A quem direi que vos assemelhais?... Onde encontrarei alguma coisa igual aos vossos males? O excesso dos vossos males é semelhante a um mar. Quem porá nele um limite?"

É do mesmo modo que os doutores e os santos falaram da grandeza dos sofrimentos de Maria.

Santo Anselmo disse:

"Qualquer que tenha sido a crueldade maquinada contra os mártires, era superficial, ou antes, não era nada, comparada à crueldade da paixão de Maria".
(De excell, Virg. C.V)

Um anjo revelou a Santa Brígida que "se Nosso Senhor não tivesse sustentado miraculosamente Sua Mãe, Ela não teria podido conservar a vida durante o Seu martírio".

Eis o eco de todos os santos e de todos os doutores. Procuremos compreender, por um rápido exame, que de fato foi sim... Donde provém a imensidade das dores da Virgem imaculada?... Provém sobretudo, de quatro causas. Meditemo-las aqui atentamente.

O que nos mostra antes de tudo a imensidade destas dores é que elas ultrapassaram todos os tormentos dos mártires.

Não somente, diz o Pe. Faber (no livro: Aos pés da cruz), nunca houve um único mártir, por prolongadas ou complicadas que tenham sido as suas torturas, que igualasse a Maria em sofrimentos, mas mesmo as angústias de todos os mártires reunidas, com a Sua variedade e intensidade, não se aproximaram da agonia de Sua paixão.

Os mártires sentiram uma consolação inefável em contemplar a Jesus, cuja beleza e glória os fortificavam. O seu espírito estava repleto desta luz divina. A sua agonia era mitigada e contrabalançada, quase metamorfoseada pela consolação interior que experimentavam na sua alma inundada de graça e de amor. Mas onde a visão interior de Maria procurará uma consolação? É preciso que os Seus olhos espirituais lancem os seus olhares lá onde os Seus olhos corporais já estão fixos, isto é, sobre Jesus, e é esta visão que causa a Sua tortura.

Ela vê a Sua natureza humana, e Ela é a Sua Mãe, e Mãe acima de todas as outras mães, amando como nunca outra mãe amara; e muito mais ainda como nunca poderiam amar todas as mães reunidas, se pudéssemos reunir a totalidade dos seus atos de amor, no mais enérgico e mais inexprimível dos atos.

Ele é o Seu Filho!...  que Filho!... e de que modo maravilhoso!...

Ele é o Seu tesouro e o Seu tudo! Que fonte de torturas agudas, vivas, mortais, incomparáveis, havia nesta contemplação! E entretanto, não estava tudo aí, pois havia mais ainda: aí havia a natureza divina do Salvador.

Jesus tinha direito às adorações de todos os homens, e ninguém O via como Maria. Jesus era Deus, e Ele não recebia nenhuma das homenagens devidas à Sua divindade. Ele era Deus, e Maria O via, através da obscuridade do eclipse, coberto de sangue, de escarros, de lama, de chagas repelentes, de contusões lívidas.

Que significava tudo isso sobre uma pessoa divina?...

É inútil indagar um nome para uma dor, como a que submergia a alma de Maria Santíssima. Jesus,  a alegria dos mártires, aqui é como o algoz de Sua Mãe! Nenhum martírio foi igual àquele e não lhe podemos atribuir outro nome que o de "imensidade de dores", a "dor incompreensível".

Em segundo lugar, os sofrimentos da Santíssima Virgem podem ser chamados imensos, em relação às Suas proporções com as Suas outras qualidades, isto é, que se depois de Jesus e para Jesus Ela tivesse que ter a preeminência de dor, os Seus sofrimentos deviam ser proporcionados à Sua dignidade, à Sua santidade e às Suas luzes.

Dores proporcionadas à Sua dignidade, e Ela era Mãe de Deus. Dignidade tal, diz São Tomás, que a própria Onipotência não teria podido imaginar uma grandeza mais elevada. É dizer que era impossível imaginar uma dor maior do que a da Mãe de Deus!

Dores proporcionadas também à Sua santidade. As provações dos santos são sempre medidas sobre a sua força e a sua capacidade de sofrer, e análogas aos seus méritos, que elas igualam, e aos quais se ligam de um modo particular.

Ora, quem dirá a santidade e os méritos de Maria?...

Questão insolúvel, falta de algarismos, dissemos precedentemente.

Mas, se esta santidade não é absolutamente ilimitada (e é a menor coisa que dEla se possa dizer), não sabemos ao menos que enorme fardo de sofrimento exigia uma tal santidade para alcançar o Seu nível e fecundá-la, amadurecê-la, acrescê-la e coroá-la, por uma outra imensidade - a imensidade da dor.

Dores proporcionadas, enfim, às Suas luzes.

O conhecimento aguça sempre mais a dor, e a sensibilidade aumenta a sua violência. Ora, todo o ser da Santíssima Virgem estava repleto de luz. Não só uma razão e uma inteligência de perfeição extrema resplandeciam em todas as Suas faculdades, mas a Sua vida interior se passava no seio de uma atmosfera sobrenatural, toda de luz.

Nas Suas dores inenarráveis, este conhecimento que A esclarecia era uma tortura terrível.

Podemos bem dizer que ninguém, exceto o Salvador, compreendeu perfeitamente a paixão, nem pode avaliar e agrupar todos os horrores no que ele tem de mais hediondo; ao menos a compreensão que delas teve Maria é a única que se aproximou da que tinha o Seu Filho.

Assim, pois, ainda que, a extensão das dores da Santíssima Virgem nos escapa, porque não podemos medir a extensão das luzes sobrenaturais a que elas eram proporcionadas e com as quais cresciam talvez simultâneamente.

As dores de Maria são ainda por causa da sua multidão.

Cada olhar, cada palavra ou ação de Jesus causava à doce Virgem, uma superabundância de sofrimentos nos quais o passado e o futuro se confundiam em uma visão única, mas terrível, sempre presente à Sua alma.

E se, por causa da sua multiplicidade, não podemos contar todas as aflições da Santíssima Virgem, ao menos qual não foi a sua violência, quando todas se concentraram como que sobre um ponto único e culminante, donde se espalharam a cada momento e de todos os lados sobre a Sua alma, com uma tal diversidade de sofrimentos que não poderíamos imaginar?...

Maria pôde dizer com justiça:

"A minha amargura é a mais amarga de todas as amarguras".

Há também um outro ponto de vista, sob o qual as dores de Maria foram verdadeiramente imensa: - é a superioridade a tudo o que a força humana pode suportar. De fato, elas ultrapassaram em energia ao mais robusto homem.

É opinião unânime dos autores, apoiada sobre as revelações dos santos, que Maria conservou a vida por milagre sob o peso dos Seus intoleráveis sofrimentos. A previsão que Ela teve das Suas dores foi tão viva, que, sem um socorro particular de Deus, Ela não teria podido viver sob um aguilhão tão cruel.

Não vemos, algumas vezes, pais ou mães que morreram de desgosto?... Na expressão de nossas dores de ordinário há algum exagero e a imaginação as aumenta. Mas nos sofrimentos de Maria tudo era verdadeiro e real. Elas eram avivadas pela perfeição superior da Sua natureza, pela Sua graça superabundante, pela beleza perfeita, e, sobretudo, pela divindade de Jesus.

Deste modo, cada uma das Suas dores era perfeitamente aceita, quer na sua intensidade, quer na sua extensão, quer na sua duração. Sua natureza física, isenta dos estragos do pecado, estava repleta da mais enérgica vitalidade, dotada da mais terna e viva sensibilidade; por conseguinte, era de uma capacidade única para sofrer.

Logo, nada houve em Maria, quer na Sua razão, quer nos Seus sentimentos, que pudesse amortecer um só dos golpes que Ela recebia.

Esta realidade das dores de Maria, é na verdade muito extraordinária, e foi preciso o coração de um Deus, para permitir que a Sua Mãe sofresse tanto pela nossa salvação. E nós correspondemos às vezes tão mal e tão covardemente às ternuras que tantas dores nos revelam.

Até quando seremos ingratos?... E quando, enfim, misturaremos algumas lágrimas de compunção à torrente de dores de nossa Mãe?...

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria, continua com o post: As razões das dores de Maria)