sexta-feira, 23 de março de 2012

Maria, Rainha dos mártires



De tudo o que acabamos de dizer resulta que Maria é, verdadeiramente, em toda a extensão da palavra, a "Rainha dos mártires".

Que mártir sofreu jamais dores semelhantes às Suas? Qual entre os nossos heróis é àquele em cujas torturas poderíamos verificar caracteres, imensidade e profundeza semelhante àqueles que são o fundo e que forma o complemento das dores de Maria?

É um sentimento admitido por todos os teólogos que uma dor suportada por amor de Deus é capaz de causar a morte e suficiente para constituir o martírio, mesmo que não ocasionasse a morte. É assim que São João Evangelista é reputado mártir, embora não tenha expirado na caldeira de óleo fervente, saindo dali mais forte do que antes.
(Brev. Rom. Dia 06 de maio)

Para merecer a auréola do martírio basta, pois, segundo Santo Tomás, que levemos a obediência até ao seu grau supremo, que é oferecer-se a si próprio à morte.
(Summ. 2.2 q. 124 a 3)

Ora, Maria, o fez em grau que ultrapassa a toda concepção humana.

"Se o Seu coração não caiu sob os golpes de um algoz, diz Santo Afonso, o Seu coração bendito foi trespassado pela dor que Ela sentiu da Paixão de Seu Filho, dor que bastava para Lhe dar mil vezes a morte. Daí devemos concluir que Maria não foi somente mártir em toda a força do termo, mas que o Seu martírio sobrepujava ainda a todos os outros" (S. Lig., Sermão sobre as Dores de Maria), visto ter sido ele mais longo, mais intenso e mais profundo.

Ó Virgem Maria, Vós bem podeis dizer com o salmista:

"A minha alma se desvaneceu na dor, e os meus anos decorreram nos gemidos", pois a dor Vos foi sempre presente, foi o Vosso pão cotidiano, Vos revestiu de todas as partes, penetrou-se e Vos consumiu inteiramente, Vosso martírio atinge o infinito, sois verdadeiramente a Rainha dos mártires.

Não repercutiu em Vosso coração a Paixão do vosso Jesus, que foi mais do que o Rei dos mártires? E Vós mesma não esperastes os dias da Paixão para entregar o Vosso coração às agonias mortais?...

Ainda jovem, aprendestes com os profetas a história antecipada dos sofrimentos do Vosso Jesus. E a partir desta primeira revelação, quantas lágrimas ardentes correram sobre as Vossas faces virginais!

E tornando-Vos Mãe de Deus, quem poderia exprimir os gládios que então Se cravaram em Vosso coração para trespassá-lo?

E, no entanto, nada mais eram que os pressentimentos da Paixão.

No dia em que ela se realizou, que martírio de sangue não produziu no Vosso coração, ó boa Mãe! Pois todas as circunstâncias da Paixão de Jesus, expirando em sofrimentos inauditos, reproduziram se dolorosamente em Vós, Sua Mãe.

Sim, Jesus foi o Rei dos mártires, e Vós, ó Maria, fostes a Rainha dos mártires.

Duas coisas elevaram o martírio de Maria acima dos tormentos de todos os mártires reunidos - o tempo e a intensidade.

O tempo, que mitiga as dores comuns, não aliviou as dores de Maria, mas, ao contrário, aumentou-as. De uma parte, Jesus aparecia a Sua santa Mãe cada vez mais belo e mais amável, à medida que crescia. E, de outra parte, o dia de Sua morte se aproximava sempre.

"Assim como a rosa cresce entre os espinhos, dizia o anjo a santa Brígida, assim também a Mãe de Deus progredia em anos, no meio das tribulações. E como os espinhos crescem ao mesmo tempo que a rosa, assim adiantou-Se em idade, Maria, esta rosa escolhida do Senhor, sentiu que os espinhos das Suas dores penetravam mais profundamente em Sua alma".

Segundo uma outra revelação a Santa Brígida, a Santíssima Virgem lhe diz que, mesmo depois da morte  e da ascensão de Seu Filho, Ela tinha a Paixão continuamente presente no Seu pensamento; e, quer tomando os Seus alimentos, quer trabalhando, o Seu coração amante estava ocupado nesta lembrança.

Quanto à intensidade, é como um abismo insondável.

"Se Deus não tivesse conservado a vida de Maria por um grande milagre, diz Santo Anselmo, a Sua dor teria sido suficiente para Lhe dar a morte a cada instante que Ela passava na terra".
(De excel. Virg. c.5)

Como é que os sofrimentos da humilde Virgem foram muito mais intensos que os de todos os mártires?... Eles o foram, sobretudo, de três modos;

Primeiramente, a alma sobrepuja o corpo, tanto quanto os sofrimentos da alma ultrapassam os do corpo.

Em certa ocasião, Nosso Senhor disse a Santa Catarina que entre as dores da alma e as do corpo não há comparação possível- Inter dolorem animae et corporis, nulla est comparatio.

Ora, foi no corpo que os mártires sofreram os golpes do ferro e do fogo. Maria, ao contrário, sofreu em Sua alma, segundo a profecia do santo velho Simeão.

O segundo modo, como o faz notar Santo Antonino (P. 4.t. 5. c. 24, par. I), consiste no fato de que o suplício dos mártires atinge à perda da própria vida; o da Santíssima Virgem consiste no sacrifício de uma vida que Lhe era muito mais cara do que a Sua própria vida - a vida de Seu Filho.

Deste modo Ela sofreu não somente em Sua alma tudo o que Jesus Cristo sofria em Seu corpo, mas a vista dos sofrimentos de Seu Filho afligiu mais o Seu coração que se Ela  mesma tivesse padecido todos eles.

"Jesus sofria nos Seus membros, e Maria no Seu coração", diz o bem-aventurado Amadeu - Ille carne, illa corde passa est (de laud. B. Virg. Hom 5), "de modo que, ajunta São Lourenço Justiniano, o coração de Mãe se tornou como o espelho das dores do Filho; os escarros, os golpes, as chagas, tudo o que Jesus sofria, vinha refletir-se nEla". - Passionis Christi speculum effectum erat cor Virginis; in illo agnoscebantur sputa, convicia, verbera, vulnera (De Trin. Chr. Ag. C. 21).

Dizem que os pais sentem mais vivamente os sofrimentos dos Seus filhos do que os seus sofrimentos pessoais. São Bernardo nos dá a razão disto:

"A alma está mais naqueles que ela ama do que naquele que ela anima" - Anima magis est ubi amat quam ubi animat.

Se isto é verdade, podemos dizer, portanto, que "Maria sofreu mais vendo as dores do Seu querido Jesus, do que se Ela mesma tivesse sofrido toda a Paixão". - Maria torquebatur magis quam si torqueretur in se; quoniam supra se incomparabiliter diligebat id unde dolebat.
(Se laud. B. Virg. Hom 5).

É a conclusão do bem-aventurado Amadeu. Enfim, um terceiro modo é que o martírio de Maria foi privado de toda consolação. Sem dúvida, os mártires sentiram vivamente os tormentos que lhes infligiam os tiranos, mas seu amor a Jesus lhes tornava doces e amáveis os seus sofrimentos.

Mais eles amavam a Jesus Cristo, menos sentiam os tormentos da morte; e a vista de um Deus crucificado bastava para os consolar. Mas que consolação hauria a Mãe de Jesus ante o espetáculo dos Seus sofrimentos, já que os próprios sofrimentos deste Filho querido eram o objeto da Sua aflição e o amor que Lhe tinha era o Seu único e mais cruel algoz?

Portanto, o martírio de Maria consistia precisamente na compaixão que Ela sentia à vista do seu Filho inocente e querido entregue a tão horrorosos suplícios. E, por conseguinte, mais Ela amava, mais amarga era a Sua dor, e mais se afastava toda consolação.

É o que se quer representar, quando apresentamos os santos mártires, cada qual com o seu instrumento de suplício: São Paulo, com a espada; Santo André com a cruz; São Lourenço, com a grelha...

Quanto à bem-aventurada Virgem, representamo-lA tendo em Seus braços o Seu divino Filho morto, porque só Jesus foi o instrumento do Seu martírio, em razão do amor que Ela Lhe consagrava.

Depois disso, figuramo-nos a Mãe de Deus de pé, junto à Cruz, na qual Jesus expira, dirigindo-nos estas palavras do profeta:

"Ó vós todos que passais por este caminho, considerai-me e vede se há dor semelhante à minha dor". - O vos omnes qui transitis per viam! attendite et videte se est dolor sicut dolor meus (Thren.I).

Vós que passais a vossa vida na terra, sem sequer lançardes um olhar de compaixão sobre a Vossa Mãe aflita, detende-Vos um instante para considerar-me e ver se entre todos aqueles que são presa da aflição e dos tormentos, há um só cuja dor seja  semelhante à minha.

"Não, ó Mãe desolada, responde-Lhe são Boaventura, não há dor mais cruel do que a Vossa, porque não há filho mais querido do que o Vosso". - Nullus dolor amarior, quia nulla proles carior
(Off. comp. B. Virg.).

Eis como o martírio da amável Virgem ultrapassou as dores de todos os mártires, pois Ela sofreu em Sua alma, enquanto os mártires sofreram no corpo. A Sua dor cresceu durante toda a Sua vida, enquanto que a dos mártires sofreram no corpo. A Sua dor cresceu durante toda a Sua vida, enquanto que a dos mártires tinha um termo muitas vezes limitado.

Enfim, Ela não teve consolação alguma.

Ó sim, ó Maria, Vós sois verdadeiramente Rainha dos mártires. Ninguém merece melhor a soberania sobre a dor do que Vós, que sofrestes como nunca sofreu criatura alguma.

E quais são os nossos deveres para com a nossa Mãe desolada?... Escutemos a própria Santíssima Virgem dizer a Santa Brígida:

"Minha filha, eu passo em revista todos os habitantes da terra, para ver se há entre eles quem pense em meu martírio e se comova ao vê-lo; mas eu encontro muito poucos. E tu, minha filha, não faças como o grande número, não te esqueças de mim, considera as minhas dores, e chora comigo tanto quanto o podes".

O próprio Nosso Senhor revelou à bem-aventurada Verônica de Binasco que, de certo modo, Ele se comprazia mais em ver-nos compadecidos das dores de Sua Mãe, do que dos Seus próprios sofrimentos.

Eis as Suas palavras:

"Minha filha, as lágrimas derramadas sobre a Minha Paixão são por mim amadas; mas, como amo com um amor imenso a minha Mãe Maria, é-me mais agradável a meditação das dores que Lhe causou a Minha morte".
(Boll, 13 jan.)

Acrescentemos que preciosos favores foram concedidos àqueles que meditam muitas vezes sobre as dores desta Mãe querida.

Em seu "Journal de Marie", Marchèse relata uma tradição antiga, que nos mostra São João Evangelista chorando a morte daquela que ele tomara por todo o seu bem. Para consolá-lo, e por ter ele velado sobre os últimos anos de Maria, Nosso Senhor dignou-Se aparecer-Lhe, em uma visão, acompanhado de Sua Mãe.

O santo ouviu Maria pedir ao Seu Filho que concedesse alguma graça particular àqueles que honram as Suas dores.

Jesus prometeu quatro principais, que são:

1- Aqueles que invocam a Mãe das dores merecerão fazer, antes da morte, uma penitência sincera dos Seus pecados.

2- O próprio Jesus os protege em suas tribulações, sobretudo na hora da morte.

3- Ele imprimirá neles a memória de Sua Paixão, e lhes dará a recompensa do Ceú.

4- Colocá-los-á nas mãos de Sua Mãe, a fim de que deles disponha segundo o seu parecer, e lhes alcance todas as graças que quiser.

Portanto, amenos, honremos e consolemos a amável e doce Rainha dos mártires.
Choremos com Ela na terra, a fim de termos a felicidade de um dia nos alegrarmos com Ela no Céu.

(Por que amo Maria, pelo Pe. Júlio Maria, continua com o último post: Conclusão)

Fonte: A grande guerra

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