L’éternelle
Vie et la Profondeur de l’Ame
A doutrina revelada
sobre a morte, sobre o juízo particular, sobre o inferno, sobre o purgatório e
o céu, leva-nos a pressentir o que é a outra vida e manifesta-nos a grandeza da
alma humana que só Deus visto face a face pode irresistivelmente atrair e
encher. O que nos faz tender para o céu, nosso destino, é a graça santificante,
germe de vida eterna, e as virtudes infusas que dela derivam, sobretudo a fé, a
esperança e a caridade acompanhadas dos sete dons do Espírito Santo.
Note-se, que estas três
grandes virtudes teologais são hoje, por vezes, completamente desfiguradas. A
fé em Deus, a esperança em Deus e o amor a Deus e às almas por ele, foram substituídas
em muitos meios modernos pela fé e esperança na humanidade, pelo amor teórico
da humanidade. Nesses meios, a fraseologia ocupou o lugar da doutrina sagrada.
A arte de fazer frases substituiu a doutrina revelada acerca de Deus e da alma.
Quando é assim, a falsidade não tem remédio.
Em certas lojas
maçônicas lê-se nas paredes: “Fides,
spes, caritas”. Chesterton afirmou sobre este ponto: “Grandes ideias que se tornaram loucas”.
Propriamente falando,
não foram as ideias que se tornaram loucas, mas sim as pessoas, em consequência
de perturbações fisiológicas e psíquicas, e, quanto mais elevada era a
inteligência destas pessoas, mais esta loucura aflige e toma proporções que
correspondem às das suas faculdades e da sua cultura. É por isso que a loucura
religiosa e a mais difícil de curar, porque não se pode apelar para um motivo
mais elevado; a inteligência perde-se no que tem de mais nobre. Nessa altura
ela engana-se habitualmente, não quanto ao valor dos objetos mais ordinários,
mas quanto ao das ideias mais elevadas, como a ideia de Deus, a das suas
perfeições infinitas, a sua justiça, a sua misericórdia.
“As
grandes ideias tornadas loucas” são as ideias
religiosas que perderam significado superior e vieram a desarticular-se e a
desequilibrar-se de todo. É o que acontece quando se substitui a fé em Deus,
que não pode enganar-se nem nos enganar, pela fé na humanidade, apesar de todas
as suas aberrações. E assim como a verdadeira fé, esclarecida pelos dons do
Espírito Santo, pelos dons da inteligência e da sabedoria, constitui o
principio da contemplação mística, a fé degenerada e desarticulada torna-se o
principio de uma falsa mística, aprovada na paixão pelo progresso da
humanidade, como se este progresso, pudesse ir até o infinito, como se fosse o
próprio Deus que convertesse a nós. Quando alguém perguntava a Renan: “Deus existe?” ele respondia: “Ainda não”, sem se aperceber bem de era
um blasfemo.
A antiguidade clássica
não conheceu um tão profundo desequilíbrio. Depois dela, veio o Cristianismo, a
elevação sobrenatural do Evangelho, e, quando alguém se separa dele, a queda é
tanto mais rápida quanto se cai de mais alto.
A descida começou com Lutero,
pela negação do sacrifício da Missa, do valor da absolvição sacramental, e,
portanto, da confissão, pela negação, também, da necessidade de cumprir os
mandamentos de Deus para obter a salvação. A queda acelerou-se depois, com os
enciclopedistas e filósofos do século XVIII, com o “cristianismo corrompido” de
Jean Jacques Rousseau, que subtraiu ao Evangelho o seu caráter sobrenatural e
reduziu a religião ao sentimento natural que se encontra mais ou menos alterado
em todas as religiões. A Revolução Francesa propagou por toda parte estas
ideias. Na mesma época, Kant sustenta que a razão especulativa não pode provar
a existência de Deus. Fichte e Hegel ensinam que Deus não existe fora e acima
da humanidade; surge em nós e por nós e não é outra coisa senão o próprio
progresso da humanidade, como se este, de tempos em tempos, não fosse
acompanhado de um terrível retrocesso para a barbárie.
O Liberalismo pretende ocupar, entre o Cristianismo e estes erros
monstruosos, uma posição eclética e não chega a conclusão alguma válida para a
ação. Vê-se logo substituído pelo radicalismo
na negação, depois, pelo socialismo
e, finalmente, pelo comunismo materialista
e ateu, como previa Donoso Cortès (1).
Este comunismo
representa a negação de Deus, da família, da propriedade, da pátria e conduz a
uma servidão universal, graças a mais terrível das ditaduras. A descida é
acelerada com a queda dos graves.
***
Só há um caminho para
voltar a subir: a verdadeira santidade. Mas é preciso
encará-la de uma maneira realista. A santidade, como demonstra Santo Tomás
(2), tem dois caracteres essenciais: a ausência de toda mancha, isto é,
ausência de todo pecado, e uma firmíssima união com Deus.
Esta santidade atinge
sua perfeição no céu, mas começa na terra. Manifesta-se concretamente, sobre as
quais queremos insistir aqui. Realmente, há três grandes deveres para com
Deus: conhecê-Lo, amá-Lo e servi-Lo. Cumpri-los é ganhar a vida eterna. Há
almas que tem, sobretudo, por missão, amar a Deus e fazer com que ele seja
muito amado; são as almas de vontade forte, que recebem graças de amor ardente.
Há outras que tem por missão dá-Lo a conhecer; nelas predomina claramente a
inteligência e recebem, sobretudo, graças de luz. Finalmente, há almas que tem
por missão, sobretudo, servir a Deus mediante a fidelidade ao dever cotidiano.
É o caso da maioria dos bons cristão, que empregam a memória e a atividade
prática para serem fiéis ao dever de cada dia.
Estas três formas de
santidade parecem estar representadas em três apóstolos privilegiados: São
Pedro, São João e São Tiago.
***
As almas em que
predomina a vontade recebem bastante cedo certas graças de amor ardente.
Perguntam a si mesmas: Que devo fazer por Deus? Que obra empreenderei eu para
sua glória? Sentem o desejo de sofre, de se mortificar, para provarem a Deus
seu amor, para repararem as ofensas que Ele sofre, para salvarem os pecadores;
e é secundariamente que elas se aplicam a melhor conhecerem a Deus.
A este grupo pertencem
o profeta Elias, tão notável pelo seu zelo; São Pedro, tão profundamente
dedicado a Jesus que, por humildade e por amor, quis ser crucificado de cabeça
para baixo; os grandes mártires, Santo Inácio de Antioquia e São Lourenço. Mais
próximos de nós, o seráfico São Francisco de Assis e Santa Clara. Mais tarde
São Carlos Borromeu, São Vicente de Paula, a transbordar de caridade para com o
próximo, Santa Margarida Maria Alacoque e o Santo Cura d’Ars.
O perigo dessas almas
reside na energia de sua vontade, que pode degenerar em rigorismo, tenacidade,
obstinação; nas menos fervorosas, o defeito dominante será um zelo pouco
esclarecido, pouco paciente e pouco suave; por vezes, dedicar-se-ão demasiado
às obras ativas em detrimento da oração.
As humilhações que o
Senhor lhes envia tendem, sobretudo, a abrandá-las, a quebrar, por vezes, a sua
vontade, quando ela se torna muito rígida, para se tornar inteiramente dócil à
inspiração do Espírito Santo e para que o seu zelo ardente seja cada vez mais
humilde, esclarecido, paciente e suave. Aí têm elas a encosta que vai dar no
cume da perfeição.
***
As almas em que
predomina a inteligência têm outras encostas a subir. Recebem, muito cedo,
certas graças de luz, que as leva à contemplação, e a grandes vistas de
conjunto, apanágio da sabedoria. Só através da razão o seu amor aumenta. Sentem
menos que as precedentes a necessidade de agir, ou de reparar. Mas, se são
fiéis, atingirão o amor heroico para com Deus, que as anima.
A este grupo pertencem
os grandes Doutores, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, São Francisco de
Sales, que lamentava a sua lentidão em seguir as luzes que tinha recebido.
O perigo destas almas é
contentarem-se com estas luzes e não conformarem suficientemente com elas a sua
conduta. Ao passo que a sua inteligência é muito esclarecida, falta à sua
vontade certo ardor.
Estas almas sofrem,
sobretudo com o erro, com as falsas correntes que extraviam a inteligência. As
provações purificam-se e, quando as suportam com resignação, atingem um grande
amor a Deus. Uma alma luminosa, fiel, estará mais unida a Deus que uma alma
ardente, porém infiel.
***
Finalmente,
encontram-se almas em que a atividade predominante é a memória e a atividade
prática. Têm, sobretudo por missão servir a Deus mediante a fidelidade ao dever
cotidiano. Pertence a este numero a maioria das almas cristãs. A memória
leva-as a evocar fatos particulares, são impressionadas por uma faceta da vida
de um santo, por uma palavra da liturgia; a inspiração divina torna-as atentas
aos diversos meios de perfeição. Se forem fieis, podem elevar-se, como as
precedentes, aos mais altos graus de perfeição.
A este grupo de almas parece
pertencer o apóstolo São Tiago, os grandes pastores da Igreja primitiva,
inteiramente dedicados ao martírio e à direção da sua diocese; e, modernamente,
Santo Inácio, atento aos meios mais práticos de santificação e desejoso de
considerar os homens tais como são e não apenas tais como deveriam ser; Santo
Afonso de Ligório, totalmente preocupado com a moral e com o apostolado
prático, cuja necessidade se fazia sentir tanto para lutar contra o jansenismo
e contra a incredulidade.
O perigo para estas
almas estará em ligarem-se demasiado às boas obras em si mesmas, mas que só
indiretamente conduzem a Deus. Algumas delas insistiram na austeridade, outra
na devoção, outras, nos seus trabalhos habituais, outras, ainda, na recitação
infindável de fórmulas. Talvez venha a encontra como inimigos a minucia e os
escrúpulos, que tornarão mais demorado o acesso à contemplação a que o Senhor
as chama e prejudicará a intimidade da sua união com Ele. Atêm-se a métodos e a
meios que lhe serviram num determinado momento, mas que mais tarde as afastam
da contemplação simples e amorosa de Deus.
As provações destas
almas encontram-se, sobretudo, na prática da caridade fraterna e no apostolado;
sofrerão muito com os defeitos do próximo, mas, se são fieis, no meio de todas
estas dificuldades, acabarão por alcançar uma união íntima com Nosso Senhor.
Eis as três principais
formas de santidade, correspondentes aos nossos três grandes deveres para com
Deus: conhece-Lo, amá-Lo e servi-Lo.
Jesus mostrou-nos a
excelência destas três formas de santidade na sua vida oculta, na sua vida
apostólica e na sua vida dolorosa.
Na sua vida oculta, na
solidão de Nazaré, na sua casa de carpinteiro, ele foi o exemplo da fidelidade ao dever cotidiano, mediante
a prática de atos aparentemente sem valor, mas apreciáveis pelo amor que as
inspira e até de um valor infinito.
Na sua vida apostólica
aparece como a Luz do mundo: “O que me
segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo VIII, 12). Não é que
Ele acredite no que ensina sobre a vida eterna e sobre os meios para alcançá-la;
vê-o imediatamente na essência divina (3). Funda a Igreja e confia-a
a São Pedro. Diz a seus apóstolos: “Vós
sois a luz do mundo” (Mt V, 14) e envia-os a ensinar todos os povos, e
levar-lhes o batismo, a absolvição, a eucaristia (Mt XVI, 18, 19; XVIII, 19). E
volta a insistir em tudo isso após a ressurreição (Mt XXVIII, 19).
Na sua vida dolorosa,
Jesus manifesta-nos todo o ardor do seu
amor para com o Pai e para conosco. Este amor leva-o a morrer por nós na
Cruz, para reparar a ofensa feita a Deus e para salvar as almas.
Uma vez que Jesus
possui eminentemente estas três formas de santidade, domina todos os perigos
que nelas encontram outras almas. Possui todo o ímpeto do amor, sem rigidez nem
tenacidade. Nunca seu amor foi mais ardente nem manifestou maior suavidade que na
Cruz: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem
o que fazem”.
Jesus goza da
contemplação mais luminosa e mais elevada, mas não se perde nesta contemplação,
não se mostra alheio, fora do mundo como um santo em êxtase. Jesus está acima
do êxtase e, sem deixar de contemplar o Pai e de estar intimamente unido a Ele,
entretém-se com os apóstolos acerca dos próprios pormenores da vida apostólica.
Finalmente, se Jesus
está atento às menores coisas que dizem respeito ao serviço de Deus, não corre
o perigo de parar muito tempo nelas, perdendo de vista as coisas maiores. Não deixam
de ver tudo em Deus, as coisas do tempo e as da eternidade.
A alma santa de Jesus
aparece maior quando se compara com os maiores santos, da mesma maneira que a
luz branca é superior às sete cores do arco-íris que dela procedem. Guardadas as
devidas proporções, deve observar-se o mesmo a respeito da santidade eminente
de Maria Santíssima, Mãe de Deus e cheia de graça. Aí temos os mediadores que
Deus nos concedeu por causa de nossa fraqueza. Deixemo-nos conduzir
humildemente por eles e eles nos conduzirão infalivelmente à vida da
eternidade. A vida da graça é já a vida eterna começada, inchoatio quaedam vitae
aeterne.
Notas:
(1)
– Cfr. Oeuvres de Donoso Cortès, tradução
francesa, Paris, 2a. ed. t. II, p. 272 e segs. O principio gerador dos mais graves erros dos nossos dias, carta de
trinta páginas escrita em 1862, para ser apresentada a Pio IX. – Discursos sobre a situação geral da Europa,
ibid., t. I, p. 399 § segs. Item, t. III, p. 279 e segs.
(2)
II, II, q. 81, a. 8.
(3)
Cfr. Santo Tomás, III,
q. 9, a. 2; q. 10.
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