Pe.
Garrigou-Lagrange, O.P.,
La
Providence et la Confiance en Dieu
A Prática da Caridade
Fraterna e os Cuidados da Providência
Santa Catarina de Sena
adverte continuamente no Diálogo que a Providência nos deu a cada um,
qualidades muito diferentes para que nos ajudemos mutuamente e tenhamos ocasião
de praticar a caridade fraterna. Não faltam, por outra
parte, ocasiões de faltar a ela, mesmo em ambientes muito cristãos, nos quais,
junto a virtudes admiráveis se manifestam verdadeiras enfermidades morais. E
mesmo suprimindo todos os defeitos, não faltam motivos de choque e de atritos
pela variedade de temperamentos, de caracteres e de aptidões intelectuais que
orientam um para a ciência especulativa, outro para a técnica, este para a
síntese, aquele à análise. Outras vezes se originam as dissenções porque há
quem se compraz em dividir para estorvar a obra de Deus, para impedir,
sobretudo, as obras mais elevadas, mais divinas e mais belas. Somente no céu
desaparecerá todo motivo de conflito, porque lá, todos os bem-aventurados, à
luz divina, veem no Verbo quanto devem desejar e querer.
No
meio de todo este cúmulo de dificuldades, como se há de praticar a caridade
fraterna? De duas maneiras: primeiro pela benevolência,
considerando o próximo à luz da fé, para descobrir nele a vida da graça ou
ao menos as aspirações à esta vida; depois pela beneficência, servindo ao próximo, suportando os defeitos dos
demais, pagando o mal com o bem, evitando a inveja e pedindo continuamente a
Deus a união dos espíritos e dos corações.
Primeiro a
benevolência. Temos
que ter olhos puros e atentos para ver no próximo, as vezes sob aparência rude
e sombria, a vida divina ou as aspirações latentes dela, fruto
das graças atuais que todos os homens, um dia ou outro recebem. Para ver assim a
alma do próximo, deve haver uma desapegar-se de si mesmo. O
que muitas vezes nos impacienta e irrita no próximo não são as faltas graves
aos olhos de Deus, mas os defeitos de temperamento ou as inclinações do
caráter, compatíveis com a virtude real. Suportamos com maior facilidade a
pecadores muito afastados de Deus, porém de condição amável, que a certas almas
que, mesmo sendo virtuosas, põem as vezes a prova a nossa paciência. Devemos,
pois, considerar à luz da fé aqueles com quem convivemos, para descobrir neles
o que agrada a Deus e amá-los com Ele os ama.
Agora,
é muito oposto à benevolência o juízo temerário, que não é uma simples
impressão a respeito do próximo, mas que consiste em afirmar o mal por leves
indícios. Veem-se dois, mas se diz que são quatro, geralmente
por orgulho. Quando o juízo é plenamente
deliberado e consentido em matéria grave, é falta contra a caridade e a
justiça. Contra a justiça porque o próximo tem direito a sua boa fama, que,
depois do direito de cumprir com o dever é um dos mais sagrados, muito mais que
o direito de propriedade. Pessoas que
jamais roubariam vinte francos, roubam ao próximo a reputação com juízos
temerários sem fundamento algum. A maioria das vezes o juízo temerário é
falso; como é possível julgar com
verdade as intenções íntimas de uma pessoa cuja dúvida, erros, dificuldades,
tentações, bons desejos e arrependimentos ignoramos? E mesmo o juízo
temerário seja verdadeiro, sempre é falta contra a justiça, porque ao emiti-lo,
se arroga a jurisdição que não o corresponde: só Deus pode julgar as intenções dos corações, enquanto não são
suficientemente manifestas.
É também falta contra a
caridade, por vir de espírito malévolo, que só a cor de benevolência deixa
escapar alguns elogios superficiais, que
terminam sempre com um mais característico.
Em lugar de considerar o próximo como irmão, se vê nele um adversário ou
rival à quem é preciso combater. Por São Mateus nos diz
Nosso Senhor: “Não julgueis para não
serdes julgados. Porque com o mesmo juízo que julgardes sereis julgado, e com a
mesma medida que medirdes sereis medidos. Mas tu, como te pões a olhar a palha
que está no olho de teu irmão e não repara a trave que está em teu olho?” (Mt.,
7,1).
Porém,
se o mal é evidente, nos manda Deus, por ventura, que nos enganemos? Não, mas
proíbe-nos murmurar com orgulho; as vezes nos impõem, em nome da caridade, a
correção fraterna realizada com benevolência, humildade, doçura e discrição; e
se é impossível ou inútil a correção fraterna particular, se deve pedir, as
vezes humildemente, ao superior encarregado de velar pelo bem comum.
Finalmente, como diz Santa Catarina de Sena, quando o mal é evidente, o mais
perfeito seria não murmurar, mas compadecer-nos e carregar nós mesmo com o mal
diante de Deus, ao menos em parte, a exemplo de Nosso Senhor que carregou todas
as nossas faltas e nos disse: “Amai-vos
uns aos outros como eu vos amei” (Jo., 13,34). Está é uma das maravilhas do
plano da divina Providência. Para
não cair, pois, nos juízos temerários, acostumemo-nos a olhar o próximo à luz
da fé.
Devemos também ama-lo
com atos, eficaz e na prática com amor de caridade benévola e benéfica. De que
maneira? Fazendo
favores sempre que nos pedir e nos seja possível. Suportando seus defeitos, que
é uma maneira de fazer favor e de conseguir pouco a pouco sua correção. Lembremos
que a este propósito que não são as faltas graves o que mais nos impacienta no
próximo, mas certos defeitos de temperamento, como nervosismo, que faz ser
brusco ao fechar a porta, a estreiteza de juízo, a falta de oportunidade, a
mania de presumir e outros defeitos semelhantes. Sejamos tolerantes uns com os
outros, sem irritar-nos por um mal permitido por Deus para humilhar a uns e
provar outros; não degenere nosso zelo em dureza e ao queixar-nos de alguém,
não creiamos ter realizado um ideal. Não façamos a oração do fariseu.
Saibamos
dizer uma palavra boa no momento oportuno; este é o meio que a Providência põe
em nossas mãos para ajudar-nos mutuamente. Um religioso
cheio de dificuldades se reanima com uma simples palavra do superior que o deseja
muitos consolos no desempenho do ministério e também tribulações que o sirvam
de purgatório nesta terra.
A fim de que nosso amor
ao próximo seja efetivo, deve-se evitar a inveja, para o qual, como o adverte
Bossuet, devemos alegrar-nos santamente
das qualidades que Deus dispensou aos demais e que não resplandecem em nós. O
mesmo cabe dizer da distribuição do trabalho e dos ofícios eclesiásticos, que
contribuem para o esplendor da Igreja e das Comunidades Religiosos. Como diz
São Paulo, a mão, longe de invejar o olho, se aproveita da luz que deste
recebe; assim também, longe de invejarmos uns aos outros, alegremo-nos das
qualidades que vemos no próximo; são também nossas, por sermos todos membros de
um mesmo corpo místico, no qual tudo deve concorrer à glória de Deus e à
salvação eterna das almas.
Não só temos que
tolerar-nos e evitar a inveja como também é preciso pagar o mal com o bem por meio da oração, do bom exemplo e da ajuda
mútua. Conta-se de Santa Teresa que um dos meios de conquistar sua amizade
era ocasiona-la desgostos. A Santa praticava o conselho de Nosso Senhor: “Se alguém quer tirar-lhe a túnica, dá-lhe
também o manto.” É particularmente eficaz a oração pelo próximo no momento
mesmo em que nos está fazendo sofrer de alguma forma, como foi a oração de
Santo Estevão Protomártir por seus carrascos e a de São Pedro de Verona, mártir,
por quem lhe deu a morte.
Finalmente, para
praticar devidamente a caridade fraterna devemos
pedir continuamente a união dos espíritos e dos corações. Na Igreja
nascente dos primeiros cristãos formavam “um
só coração e uma só alma”, e deles se dizia: “Vejam como se amam”; e o disse Nosso Senhor: “Nisso conhecerão que são meus discípulos.” Toda família cristã e toda família religiosa deve ser, à luz da fé, uma
cópia da íntima união dos cristãos da Igreja nascente. Desta maneira
seguirá se cumprindo a oração de Jesus Cristo: “Não rogo somente por estes (os apóstolos) mas também por aqueles que creram em Mim por meio de sua pregação, para
que todos sejam um; e como Tu, ó Pai, estás em Mim, e Eu em Ti, assim sejam
eles uma mesma coisa em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste. Eu os
dei a glória que Tu Me deste, para que sejam um, como Nós somos um.” (Jo.,
17,20).
Assim se realiza de
maneira forte e suave o plano providencial, assim se ajudam mutuamente os
homens para caminhar para vida eterna. E aqui descobrimos uma prova da origem
divina do Cristianismo; porque o mundo, que edifica sobre o egoísmo, sobre o
amor próprio e os interesses que dividem, não pode produzir esta caridade; as
associações mundanas não tardam a dissolver-se, porque nas palavras bonitas de
solidariedade e fraternidade se ocultam muitas invejas e ódios profundos.
Somente o Salvador pode
libertar-nos, que para isso veio ao mundo. “Qui
propter nos homines et propter nostram salutem descendit de coelis... et homo
factus est.”
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